quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Bela cena, Aracaju"



É o que diz Adilson Pereira, ex-editor da revista Outracoisa (aquela, do Lobão, que vinha sempre com um Cd encartado) e fanzineiro das antigas. Ele esteve pela primeira vez na terra do Cacique Serigy para cobrir o Verão Sergipe e aproveitou para dar uma geral na cena alternativa local, além de rever e/ou conhecer pela primeira vez pessoalmente velhos amigos de correspondencia. Abaixo, um bate-bola que ele fez para o seu site, o Samba punk, comigo e mais 2 ilustres batalhadores do cenário independente sergipano, Rafael Jr. e Henrique Teles.

A.

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Por Adilson Pereira
Fonte: Samba punk

Há algo de “romântico”, na cena de Aracaju. As pessoas [do mundo da música (independente)] parecem conhecer-se “intimamente”. Não exatamente como numa cidade interiorana-padrão-de-novela, porque neguinho não parece estar na janela a fazer fofoca. As pessoas declaram estar tocando, tentando amadurecer (junto com) o trabalho que surge disso e - o que é melhor - elas estão pensando e discutindo, buscando alternativas. Com o jogo assim, algumas cabeças de Aracaju foram convidadas a falar sobre a cena que vivem: Rafael Jr, baterista de três bandas de Aracaju (Snooze, Ferraro Trio e Maria Scombona). Na Scombona, é colega de outro participante desse pingue-pongue, o Henrique Teles, vocal da banda. Completa o time Adelvan Kenobi, apresentador do “Programa de Rock”, da FM Aperipê (SE).

Como essa cena pode crescer ainda mais?

Rafael Jr: Bandas na garagem e fazendo som sempre existiram em todo canto do mundo (não é diferente por aqui), mas eu sempre acreditei que “cena” abrange não só jovens fazendo música, mas um conjunto de atividades que inclui selos, produtores, mídia especializada, casas de show e festivais… Aqui, sempre faltaram elos nessa corrente: nunca tivemos um selo atuante (nem na época do CD e nem agora, virtualmente), os bons festivais não tiveram continuidade, os produtores profissionais não atuam no mercado independente/autoral, os espaços para shows são escassos, entre outros problemas nessa cadeia. Pra mim, o que falta pra crescer é esta cadeia estar completa! Todas as conquistas partiram de atitudes das próprias bandas, muitas vezes correndo atrás tateando, no feeling, sem muito conhecimento de como as coisas funcionam no meio independente.

Adelvan Kenobi: Tornando-se mais visível, nacionalmente. Com relação à cena independente, especialmente do rock, acho que o caminho é se integrar a esse circuito de festivais que tá rolando por todo o Brasil. E isso, a meu ver, depende quase que exclusivamente da atitude das bandas, de meter as caras e sair fora, porque se se contentar em ficar tocando só por aqui mesmo, todo sábado no Capitão Cook, o desânimo vai bater, inevitavelmente. Algumas bandas estão se mobilizando neste sentido e pelo menos duas, a Plástico Lunar e a The Baggios, têm colhido frutos, sendo escaladas para eventos importantes, como o Festival DoSol, em Natal, as Feiras de Musica de Fortaleza e do Recife, o Festival Psicodália, em SC, e por aí vai. Um passo importante nesse sentido foi uma miniturnê chamada “Invasão Sergipana”, na qual três bandas - Baggios, Daysleepers e Elisa - fizeram pelo Nordeste, ano passado. Outras já têm mais sorte e são apadrinhadas pelo poder público, chegando ao requinte de fazer turnê na Europa, regularmente, mas as que não têm essa “sorte” precisam meter as caras mesmo, não se acomodar. “Pedras que rolam não criam limo.”

Henrique Teles: Pra mim, duas coisas: primeiro, uma melhor utilização da cadeia produtiva local, incluindo aí as mídias para repercussão do que é produzido. Segundo, uma participação mais útil e sutil do Estado no fomento à produção. Assim como a agricultura hoje pensa nos pequenos e médios produtores como grandes parceiros, o Estado não pode imaginar que vai salvar a fome de arte/cultura/entretenimento somente com grandes hortas sazonais. E no varejo? E o resto do ano? No dia-a-dia? Quanta ideia boa de pequenos festivais, pequenos projetos de livre iniciativa estão aí precisando apenas de um empurrãozinho para acontecer!? Música instrumental, forró, chorinho, hardcore e hip-hop se faz todo dia por todos os cantos, não é?

Como o poder público pode ajudar? Com festivais como o Verão Sergipe, por exemplo?

Rafael: Acho que apoiando festivais independentes. O problema é que não chegam projetos decentes dessa natureza aos gabinetes das secretarias. O papel do Estado não é financiar empreitadas individuais, e sim dar suporte macro no desenvolvimento da cadeia produtiva que falei antes. Pensar na coletividade da cena e suas particularidades, o que já é algo bem complexo e exige gente com conhecimento específico. O Verão Sergipe é para as massas, e com bandas consagradas, mas tem o palco menor onde artistas independentes locais, selecionados através de edital público, têm oportunidade de mostrar o trabalho para um público maior. Muito legal.

Adelvan: Festivais como o Verão Sergipe ajudariam muito mais se se preocupassem com uma maior variedade nas atrações locais. De uns tempos pra cá, o que vem acontecendo é que são sempre as mesmas três ou quatro bandas em todos os eventos do Governo, o que dá margem para as velhas acusações de “panelinha”, que nem sempre são infundadas. O Verão Sergipe é a versão estadual de um projeto da prefeitura de Aracaju, o Projeto Verão, que acontece agora em fevereiro e este ano se redimiu e fez uma escalação bem mais diversificada de atrações locais no palco principal. Acho isso muito bom, dá visibilidade às bandas, dá a elas a oportunidade de tocar para um público bem maior que, de outra forma, não as conheceria, já que nem todo mundo tem essa atitude de procurar saber o que anda rolando no circuito alternativo da cidade.

Henrique: Grandes eventos são grandes vitrines. Feliz de quem tem o reconhecimento - ou coiteiro - e é convidado. Este ano tivemos concurso prévio para ver quem faria shows nos palcos menores. Que ideia legal, não é? Um edital, uma comissão julgadora e os critérios criados. Já vejo diferente isto, pois se o Estado se aproximar mais das produções de livre iniciativa (aquelas do varejo!), já poderá definir daí quem vai para a vitrine dos grandes eventos. Outra coisa boa, que há um bom tempo eu já falo: aproveitar a passagem de bons técnicos aqui, e promover oficinas, capacitação técnica, troca de experiências… isto tudo faz parte da atuação do Estado, que é quem usa nosso dinheiro pra pagar cachês tão bons ao artistas e técnicos que vêm aos grandes eventos. Indiretamente, pagamos muito caro por isto.
Outra coisa: o Estado quando incentiva a livre inciativa de produção está ajudando a educar as pessoas a pagarem - diretamente - para assistir a um espetáculo; mesmo que seja baratinho, é bom que seja pago. É bom que as pessoas saibam que direta ou indiretamente estão pagando para ter aquilo, e que vale a pena pagar. Consciência.

De que tamanho é a cena musical independente, em Aracaju? Como é ela em relação ao restante do Nordeste? E em relação ao Brasil?

Rafael: É pequena e ainda tímida, mas nos últimos anos tem tomado corpo. A qualidade dos discos tem melhorado, as bandas têm tocado mais em festivais fora do estado e se preocupado com auto-produção independente. A galera tá preocupada em aprender como é que se faz a parada direitinho, sabe? Mas acho que ainda não fomos, por assim dizer, “descobertos”… Mas jornalistas mais antenados, que não esperam que os outros colegas todos falem primeiro, já nos enxergam, hehehe… O Nordeste nos conhece mais que o restante do país, pela própria proximidade das cidades e por conta de coletivos como a lista de discussão Nordeste Independente.

Adelvan: Cara, o tamanho varia. É como disse numa resposta anterior, o público é muito volúvel. Na primeira metade dos anos 2000, tivemos um crescimento impressionante, muita gente ia aos shows e festivais importantes surgiram e cresceram. Começou com o Rock-SE, em 1998, que deu prejuízo e só teve mais uma edição, no ano seguinte. Nos anos 2000, surgiu o Punka, um festival que começou como uma festa particular e cresceu de forma espantosa, tendo várias edições com atrações de peso nacional, como Autoramas, Jason, Torture Squad, Retrofoguetes, Brincando de Deus, Nitrominds e Los Hermanos. Mas parece que há um muro invisível, um pico, e daí não passa; as coisas crescem, mas não se consolidam, como um Abril Pro Rock ou um Goiânia Noise da vida. Com o metal, acontece a mesma coisa: picos de público seguidos de uma longa ressaca. No momento, estamos numa dessas ressacas, muito embora, mesmo de forma capenga e desestruturada, coisas surpreedentes ainda aconteçam, como o show do Master, banda de death metal histórica norte-americana. E especialmente a Sessão Notívagos, que vem acontecendo regularmente no Cinemark do Shopping Jardins e consiste na exibição de um filme seguida da apresentação de uma banda no saguão do cinema. Já aconteceram noites memoráveis nesta sessão, como as dobradinhas “Lóki”(documentário sobre Arnaldo Baptista) com apresentação da Plástico Lunar e “Guidable” (documentário sobre o Ratos de Porão) com um show da Karne Krua - que é, por sinal, a banda punk/hardcore mais antiga em atividade em todo o nordeste. O rock é teimoso.

Henrique: Descobri nesses anos todos que toda cena é dependente. Depende de dinheiro, depende de paixão, idealismo, know-how… A cena aqui em Aracaju vai surpreender muita gente do eixão quando resolverem contabilizar o que temos realizado. Tem muita gente boa, rapaz; muita gente boa. Precisamos somente formar público para estes talentos, sermos nossos principais consumidores. Não somos melhores que ninguém, nem maiores. Apenas somos mais sergipanos que qualquer outro, né?! The Baggios, Karne Krua, Snooze, Ivan Reis, Patrícia Polayne, Maria Scombona, Naurêa, Plástico Lunar, Thiago Ribeiro, estamos aí pra dar conteúdo a qualquer iniciativa de produção.

É possível um cidadão sobreviver em Aracaju como músico independente? Você atua em várias bandas. Como é possível conciliar tudo isso?

Rafael: Eu vivo só de música, mas acho que sou uma exceção à regra geral (há outras exceções, claro). Dedicar-se a apenas uma banda independente aqui não dá, definitivamente! Acompanho vários artistas, gravo em estúdio, dou aula, alugo bateria, me viro. A vantagem é que sou da Banda do Corpo de Bombeiros, há 7 anos (antes tinha sido da Orquestra Sinfônica, durante 8 anos), então isso dá tranquilidade pra trabalhar com o que gosto e fazendo o tipo de música que me dá prazer.

Adelvan: Sobreviver EXCLUSIVAMENTE com música independente acho impossível. Cronicamente inviável, pra citar um filme sensacional. Não conheço nenhum caso… sei de gente que vive de música, mas se desdobrando em mil, como o incansável Rafael, baterista da Snooze, mas ele não vive de música independente exclusivamente, não, toca até na banda do Corpo de Bombeiros.

Henrique: É possível, sim, mas como em qualquer profissão há um mercado e uma disputa por espaço. Sou o único na Maria Scombona que não vive exclusivamente de música.

No que diz respeito à atividade de músico (ou à sua relação com a música), o que ela significa para você? É trabalho? É hobby? É paixão?

Rafael: É tudo isso junto, vivo música intensamente, 24 horas por dia, há pelo menos 15 anos. A Snooze não me dá retorno financeiro, a banda apenas se paga (não desembolsamos mais pra gravar os discos), mas não abro mão de desenvolver esse trampo. É como uma válvula de escape. Trabalhar com Fabinho é ótimo, ele é tranquilo e um ótimo músico. Na Snooze, temos afinidade e sintonia, já pra outros trabalhos não sei se daria tão certo.

Adelvan: É hobby e é paixão, única e exclusivamente. Só resvalou no trabalho quando assumi a loja que foi fundada ainda nos anos 80 por Silvio da Karne Krua, a Lókaos, que ficou sob minha administração de junho de 1995 a fevereiro de 1997 (a primeira falência a gente nunca esquece). Foi uma experiência bonita e intensa, mas infelizmente não deu certo. Também ajudei a produzir muito show, mas invariavelmente tomava prejuízo. Fazia por amor mesmo, mas ninguém aguenta ficar perdendo dinheiro a vida inteira, né!? Hoje, estou bem relax, faço o que posso sem me preocupar em ser o “salvador da pátria”. “O Programa de Rock” mesmo faço sem nenhum estresse, de forma voluntária, não ganho nada mas também não gasto (praticamente) nada. É divertido de fazer. Se não fosse, não faria, nem a pau. Diversão levada a sério. Descobri que, como disse, o rock é teimoso, e por mais que você ache que se você não fizer nada ninguém mais vai fazer (houve um tempo que eu achava isso, sério), sempre tem algum maluco disposto a meter as caras. Pra ficar bem chique, vou citar uma frase de Nietsche: “Sem música, a vida seria um erro.”

Henrique: A minha atividade de músico é essencial. Sou compositor. Leio minha realidade, e disso faço música. Sem ela, teria que encontrar um outro grande motivo para existir.

Como, na sua opinião, Aracaju dialoga - musicalmente - com o restante do país? Música, para vocês, é produto de exportação? Ou de importação?

Rafael: Música não tem fronteira ou língua, e pra uma banda se expandir, evoluir e criar mercado, tem que sair da sua área. Mas também não acredito muito numa banda que não tem público e respeito localmente e quer conquistar o resto do país… Nêgo fica reclamando de Aracaju ao invés de fazer sua parte para as coisas melhorarem por aqui, sabe, acho isso bobagem porque é difícil desenvolver uma carreira em qualquer lugar. Eu me amarro nessa cidade, amo mesmo, mas também não fecho os olhos para os problemas locais. Só que tento fazer algo pra melhorar a cena em que eu mesmo atuo. É algo meio lógico, né? Só quero condições melhores de trabalho, pô!

Adelvan: Música aqui ainda não é produto de exportação não, mas pode vir a ser. Algumas bandas têm muito potencial para isso, como a Plástico Lunar e a The Baggios, e outras em nichos bem específicos do punk/hardcore e do metal. A Karne Krua mesmo, por sua historia, é bastante conhecida, nacionalmente. Mas acho que Aracaju, lamentavelmente, dialoga pouco com o restante do país. Estamos fora até do circuito Fora do Eixo, veja só. Mas esta situação tende a mudar. Quem viver verá.

Henrique: Importamos muito, mas somos muito diferentes, até mesmo dos outros nordestinos. Portanto, temos perfil para exportação, sim. O desafio diante de tanta importação é manter uma identidade coerente com a história do nosso povo, com uma influência linda, por exemplo, da língua falada no norte de Portugal e na Galícia (Espanha), que deixa nossa fala com tantos traços marcantes, como o otcho, mutcho, primero, cantero, bassoura. Isso é bonito, rapaz! E o produto? (risos) Estamos o tempo inteiro recebendo, e se produzimos algo com isto da nossa maneira, melhor ainda. Eu falo num produto reprocessado, antropociclado (?) mesmo. Vem de fora, cai no nosso moedor e sai de outro jeito. Assim se dá…

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