quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ainda sobre os festivais ...



Se o governo cismar, o indie acaba no Brasil

Conhece Claudio Jorge Oliveira? É o nome mais importante do rock brasileiro. Mas não toca guitarra nem canta. É executivo, coordenador de patrocínios à música da Petrobras. Ele tem a chave do cofre de onde sai o dinheiro para os maiores festivais de rock indie no Brasil. Se Oliveira zerar a grana, ou a Petrobras decidir investir em coisa melhor, a cena roqueira "independente" acaba. No dia seguinte.

Para entender o indie estatal, um exemplo. Você, universitário, se considera representado pela União Nacional dos Estudantes? Claro que não. Há muitos anos, a UNE é aparelhada por um partido, o PC do B. Fiel à cartilha stalinoide, os dirigentes da UNE só têm duas preocupações: manter-se no poder e fortalecer o partido. Atualmente apoiam o governo. Estão se lixando para os estudantes.

A lógica do indie estatal é a mesma. Depois que, no Brasil, a indústria da música foi para o espaço, o Estado virou o mantenedor do rock indie. E, quando o dinheiro público começou a fluir, essa estrutura foi aparelhada por quem já estava organizado. O indie estatal construiu uma burocracia cheia de tentáculos. Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), Coletivo Cubo, Circuito Fora do Eixo etc. Várias entidades, poucos dirigentes.

Que fique claro: não acuso ninguém de pilantra, folgado, chupim do dinheiro público. Se chegaram aonde chegaram, se aparelharam com tanta força os patrocínios da Petrobras e de secretarias de Cultura, é porque, de fato e sem ironia, batalham e têm ideais. Não tenho nada contra patrocínio estatal - desde que ensine o artista a andar e depois ele que se vire. Como no Canadá, na Dinamarca, na Escócia. Mas não é assim no Brasil. Como o cinema da época da Embrafilme, o indie estatal virou as costas para o mercado. Não se importa em vender CDs, downloads ou ingressos. Com sua estética nacional-regionalista, não quer ficar maior do que está. Não precisa de fãs, precisa do governo.

Guarde esta coluna. Ela é uma raridade. Com honrosas exceções -como Thiago Ney, que também já criticou esse status quo na Ilustrada-, os indies estatais contam com uma ampla rede de mídia amiga. Jornalistas atuam como curadores em festivais da Abrafin, organizam festas com bandas da Abrafin, produzem bandas da Abrafin, decidem "espontaneamente" bombar bandas em que a Abrafin aposta, até comem de graça nos festivais da Abrafin.

Não acredite neles. Mas pode acreditar em mim. Eu não dependo de Claudio Jorge Oliveira.

Alvaro Pereira Júnior - cby2k@uol.com.br

Folhateen

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Discussão sobre patrocínio estatal a eventos independentes de música move de Petrobras a festivais tradicionais

THIAGO NEY

DA REPORTAGEM LOCAL

Ilustrada

Os festivais independentes de música, que pipocam pelo Brasil, conseguiriam se manter em pé sem o dinheiro de governos e empresas estatais? A questão voltou à tona em texto do colunista da Folha Álvaro Pereira Júnior publicado anteontem no Folhateen. Para Pereira Júnior, esses eventos tornaram-se dependentes de apoio da Petrobras, que seria direcionado por Claudio Jorge Oliveira, coordenador de Música, Patrimônio e Cultura Digital da Gerência de Patrocínios da Petrobras. Para jogar luz sobre o funcionamento desse circuito, a Ilustrada ouviu a empresa, além de pessoas ligadas à produção desses festivais e artistas.

Por e-mail, a Petrobras afirma que quem decide quais projetos culturais recebem dinheiro da empresa são comissões "formadas por cinco a sete integrantes externos à companhia (realizadores, críticos, professores, acadêmicos, pesquisadores, imprensa)". Quem escolhe as comissões é a Petrobras, por meio da Coordenadoria de Música e Patrimônio, "em acordo com MinC e Secom [Secretaria de Comunicação Social]."
O Programa Petrobras Cultural foi criado em 2003. Anualmente, distribui verbas para festivais de música. Na edição 2008-2009, o investimento foi de R$ 2 milhões; na edição 2010, de R$ 3 milhões. Atualmente, 44 festivais de música de todas as regiões do Brasil estão filiados à Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin). Segundo Pablo Capilé, vice-presidente da Abrafin, apenas seis festivais ligados à associação receberam dinheiro via Petrobras neste ano. "Sem apoio estatal, conseguiríamos fazer os festivais, mas não seria possível fazer circular muitas bandas", diz.

A opinião é compartilhada por Rodrigo Lariú, dono do selo Midsummer Madness, do festival Evidente (RJ) e integrante da Abrafin. Para Lariú, a questão que reúne os festivais indies e o dinheiro público se encaixa dentro de uma discussão mais ampla: a que envolve o uso das leis de incentivo no país. "Hoje é quase impossível conseguir que um empresário privado patrocine diretamente um festival. Se ele pode deduzir o investimento do imposto de renda, por que ele botaria dinheiro sem leis de incentivo?"

Um dos eventos que fazem parte da Abrafin, o Goiânia Noise é dos mais conhecidos festivais indies do país. Em novembro de 2009, fez sua 15ª edição, com cerca de 60 bandas e público de 12 mil pessoas. Segundo Leonardo Razuk, um dos organizadores do Goiânia Noise, o evento teve custo de R$ 700 mil em 2009. Eles captaram R$ 200 mil com a Petrobras via Lei Rouanet; R$ 200 mil com uma empresa de eletrodomésticos via lei de incentivo estadual; R$ 20 mil por meio de patrocínio municipal; R$ 8 mil de uma empresa de calçados; e R$ 6 mil do Sebrae. "O resto veio com dinheiro de bilheteria e com os bares", afirma Razuk. "Nos nossos festivais, ainda dependemos de bilheteria para pagar custos."

Razuk ajuda a organizar, também em Goiânia, o Bananada, cuja 12ª edição acontece de hoje a domingo, com 45 bandas e custo de R$ 120 mil. Segundo Razuk, foram captados R$ 70 mil via lei estadual e mais R$ 4 mil de apoio do Sebrae. Os ingressos custam R$ 20 por dia -espera-se 4.000 pessoas no total.

Pagamento de cachê é tema de debate - A questão envolvendo festivais e dinheiro público abarca ainda a quantia que é paga para as apresentações dos artistas. Para o cantor Lucas Santtana, artistas seriam pagos pelos eventos indies de acordo com o "tempo de estrada" que tivessem.

Além do patrocínio estatal a festivais de música, outra questão que opõe opiniões distintas é a que se refere ao pagamento de cachês aos artistas que participam desses eventos. Muitos festivais não pagam cachês -ou pagam valores irrisórios-, fato que desagrada vários artistas e bandas.

Para o cantor Lucas Santtana, "os festivais independentes são ótimos, criam um circuito [de apresentações ao vivo]". Ele sugere a criação de uma tabela para o pagamento de cachês. "Se o festival pegou dinheiro público, tem de pagar [cachê]. Se pegou "X" do governo, teria de pagar "Y" para determinado artista com certo tempo de estrada. Para artista com menor tempo de estrada, pagaria outro valor", explica.

O guitarrista Catatau, produtor musical e integrante da banda Cidadão Instigado, diz: "Se um festival é totalmente independente, a gente toca nas condições que são oferecidas se isso for interessante para nós e é o que acontece até hoje. Mas, se tem apoio de leis de incentivo e de grandes corporações, acho muito justo as bandas receberem cachê". Catatau afirma que é "importante" existir um circuito de festivais pelo Brasil, "mas todos temos que caminhar juntos". "Toco de graça quando estou a fim e quero ser pago decentemente quando podem pagar. Por que não receberíamos dos festivais que são bancados por grandes corporações?".

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Artista quer ser bem amado e pago

ANDRÉ FORASTIERI - ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem duas maneiras úteis de o dinheiro público se envolver com arte: sustentando o supernovo e levando o superpopular aos pobres. É bom uso do Tesouro Nacional apoiar a produção e a circulação de tudo o que é criação intransigente e inédita. Seja nova ou antiga, brasileira ou não. Contanto que o orçamento seja baixo e que não haja hipótese de patrocínio corporativo.

A maioria dos brasileiros não pode pagar R$ 200 por um show ou R$ 50 por um livro. Deveríamos todos poder votar com o bolso. O projeto do vale-cultura merece críticas, mas seria melhor do que nada, que é o que temos hoje.

Tudo o que está entre o supernovo e o superpopular deveria ser julgado caso a caso. Portanto, não pode ser transformado em política pública. Não em um país tão permeável às ações entre amigos. Mudanças nas leis de incentivo ou na política de patrocínios da Petrobras e toda a cultura do país capotam. Cinema: a regra da "retomada" são produções de R$ 5 milhões que não recuperam um décimo dos recursos captados via leis de incentivo. Teatro: a maior parte dos patrocínios vai para montagens de terceira com atores de novela -hits da Broadway etc. Música: idem, com requintes como o ministro da Cultura se beneficiar de renúncia fiscal -Gilberto Gil levou em 2009 R$ 445 mil do nosso dinheiro.

É excesso de zelo, portanto, eleger festivais goianos exemplo de lambança. Qual o problema de jovens músicos correrem atrás do seu? Não é a história deste país, todos se achegando para perto do cofre? Perto do rio de dinheiro público que escoa sem fim para megabancos e megafusões, apoiar roqueiros interioranos é um pinguinho no oceano.
"Se Gil pode, por que não eu?", se pergunta a nova cena musical brasileira, o que prova que ela só é nova na idade de seus participantes.

Moeda alternativa, distribuição digital, cooperativas. Sim, quem quer viver de música tem de dar seus pulinhos. Mas o que interessa é grana grossa, governo, empresa grande. Da tropicália ao mangue beat a hoje, todo mundo adere tão rápido quanto possível. Doidão, sim, anarquia, já, mas só louco rasga dinheiro.

A vida, é fato, anda dura. Irving Azoff, empresário de Eagles, Guns N'Roses e hoje CEO da LiveNation, diz que só 6% da receita dos grandes artistas americanos vêm de música gravada. O resto é show, merchandising, patrocínio. Imagine no Brasil. Arte provocativa já foi criada por gente com contas a pagar. Compromisso zero com o mercado gerou muito lixo para engrupir crítico/acadêmico. Arte não tem regras, mas vida de artista tem. A função da arte não é dar o que o povo quer -é revelar o que ele quer. Já o artista quer ser bem amado e bem pago. Quem se importa de onde vem a grana?

ANDRÉ FORASTIERI é diretor editorial da Tambor Digital

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RESPOSTA DA PETROBRAS

Fonte: Blog da empresa

A Folha de S.Paulo publicou, nesta quarta-feira (19/05), a reportagem “ (In)dependente?“. Veja abaixo as respostas encaminhadas pela Petrobras às perguntas enviadas pelo jornal.

1) Qual a função de Claudio Jorge Oliveira na Petrobras?

Resposta: Claudio Jorge Oliveira é empregado concursado da Petrobras há 24 anos, com pós-graduação em Gestão de Comunicação Corporativa. Atualmente, exerce o cargo de coordenador de Música, Patrimônio e Cultura Digital da Gerência de Patrocínios da Petrobras.

2) Quem escolhe a comissão que seleciona os projetos?

Resposta: As comissões são escolhidas pela Petrobras, em comum acordo com o MinC e a Secom. São formadas por 5 a 7 integrantes externos à Companhia, ligados à cultura brasileira, de reconhecida atuação na área para a qual foram convidados (realizadores, críticos, professores, acadêmicos, pesquisadores, imprensa), e provenientes de distintas regiões do país. As comissões são renovadas a cada edição. Com isso, mais de 200 especialistas já participaram da seleção pública de projetos, incluindo os festivais de música. Todo o processo de seleção pública é pautado pela transparência e os projetos são selecionados levando-se em conta seu mérito qualitativo e consistência.

3) Quando o PPC foi criado?

Resposta: O Programa Petrobras Cultural foi criado em 2003.

4) Quanto a Petrobras já investiu em festivais de música desde o início do PPC?

Resposta: R$ 2 milhões na edição 2008-2009 e R$ 3 milhões para a edição 2010, que abrange festivais que aconteçam entre maio de 2010 e abril de 2011.

5) Antes do PPC também havia patrocínio a festivais de música?

Resposta: Antes das seleções públicas do PPC a Petrobras lançou, em parceria com o MinC e o Instituto Moreira Sales, o I Edital Petrobras de Festivais de Música (2007), que selecionou 25 festivais.

6) Quanto cada um dos 17 projetos deste ano está recebendo? São valores idênticos ou varia conforme a dimensão do projeto?

Resposta: O valor total é de R$ 3 milhões. A Petrobras não informa valores individuais. As cotas de patrocínio são variadas, de acordo coma dimensão do projeto.

7) Quais são os projetos ligados à Abrafin selecionados no PPC deste ano?

Resposta: Para a Petrobras é indiferente se o projeto é ou não ligado a qualquer instituição. Como já informado, os critérios de seleção são o mérito qualitativo e a consistência.

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Fabrício Nobre, presidente da ABRAFIN, responde ( via orkut ) : Queria começar com um exemplo: Tudo, ou quase tudo, que se produz em cultura no Reino Unido (onde me encontro hoje para diversos festivais e conferencias musicais), tem apoio das loterias nacionais, que tem gestão pública. Arts Council : Lotterry Founded. Além disso existem diversas as agencias de Cultura e Marketing das regiões e cidades como Marketing Manchester. E mais ainda, a prova do interesse dos Britanicos em entender outras práticas no mundo, para poder incrementar e desenvolver ainda mais a estas ações em seu país, está a busca constante de intercâmbios como esse que estou participando, onde se são apresentadas, se discutem e debatem experiências e referencias trazidas do mundo inteiro

É excelente que os governos no mundo todo dêem suporte as ações culturais, e que cada vez mais dêem a musica/cultura marginal devida relevância. No estado brasileiro a prática do apoio a estas atividades de forma mais transparente, via editais públicos claros, é recente, e por isso impressiona "desavisados". E mais, mesmo que o apoio de estados e empresas privadas seja que cada vez mais frequente e organizado, no Brasil é ainda tudo muito tímido. E mais ainda, tal apoio não chegou nem perto de sua potencialidade plena, temos muito o que avançar.

Dizer que "se o estado cismar em não apoiar a música independente", essa vai morrer, é a maior balela já dita. É não entender que essa geração (e as próximas) tem seu DNA impregnado do "realizar de forma independente", foram criados no Do It Yourself (Faça vc mesmo) e vive Do It Together (Façamos juntos)! Aprenderam na prática que ser independente é realizar cultura / musica / arte independente das ferramentas e estruturas que se tem a mão. Somos realmente independentes: gravamos em protools com a mesma manha que gravamos num porta estúdio tascam; tocamos num clube pequeno na rua Augusta com a mesma manha do que num palco Geo Espace com PA Line Array num grande festival em Fortaleza; pegamos a estrada com instrumentos e mais cinco pessoas num carro Mil para tocar em Uberlândia como a mesma manha que cruzamos o Atlântico pra tocar no Roskilde Festival; realizamos festivais de forma compromissada, pensando em público e musica, com apoio da Petrobras, ou juntando a grana do nosso coletivo; somos responsáveis por defender nossas vontades e direitos no bairro onde moramos ou em redes nacionais de entidades de musicais; temos a manha de repercutir em fanzines e blogs, e na imprensa estabelecida; twitamos o dia todo; e não somos poucos... somos mais da 1.000 bandas, centenas produtores lideres e referencias locais e nacionais; somos rede de dezena de festivais, somos dezenas de coletivos de produção e arte, casas espalhadas por todos os estados do Brasil, mais de 300mil pessoas assistindo / participando / se envolvendo.

Bom pro estado brasileiro que pode “cismar”, mesmo a contragosto de alguns “desavisados”, em dar algum suporte e entender essa movimentação realmente independente.

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AGORA A MINHA OPINIÃO: Extremamente infeliz e equivocado o conteúdo do texto de Álvaro Pereira jr. É o velho discurso do estado mínimo, do louvor à iniciativa privada. Só que está aí pra quem quiser ver que isso não existe. Agora mesmo, nessa crise que se abate sobre o mundo, a quem a iniciativa privada, sempre tão competente e onipotente, recorre para não quebrar ? Ao sempre paquidérmico e ineficiente estado. A General Motors foi salva pelo governo americano. O sistema financeiro está sendo salvo pelos governos, e o pior: nada está sendo feito, efetivamente, para que a crise não se repita. É como se os cofres públicos estivessem disponíveis para socorrer as corporações quando estas se encontram em dificuldade e depois o poder público tenha que, obrigatoriamente, seguir as “leis do mercado” e deixá-las atuar em paz, até a próxima bancarrota. Primeiro o pedido de socorro, depois o clamor pela “desregulamentação”, pelo “livre comércio” (esta grande falácia), até a próxima crise e novo pedido de socorro, num ciclo vicioso sem fim. O próprio Álvaro Pereira jr. trabalha na Globo, uma emissora que nasceu e cresceu no colo do estado, durante a ditadura militar. Os grandes conglomerados de comunicação do Brasil são sustentados, em grande parte (quando não totalmente), pela verba publicitária do governo, por isso soa tão hipócrita esse suposto zelo exagerado pela destinação da verba pública.

A meu ver, o dinheiro público deve servir, dentre outras coisas, para fomentar atividades culturais legítimas que existem em nichos porém não têm maior visibilidade porque não estão inseridas no contexto da cultura der massas. Não é que estas atividades deixarão de existir pela falta de incentivo estatal, elas apenas continuarão no seu nicho e se tornarão invisíveis para o grande público e para pessoas como Álvaro pereira jr., talvez atarefado demais em seu trabalho corporativo na produção do Fantástico da Rede Globo. Para ele pode não ter importância nenhuma, mas continuarão a existir as manifestações folclóricas Brasil afora, como continuará a existir o circuito “underground”. Álvaro certamente não sabe, mas nos anos 80 e início dos anos 90 eu e alguns amigos colocávamos caixas de som, bateria e instrumentos num fusquinha e íamos para uma Associação de bairro abandonada na periferia de Aracaju e fazíamos nosso show de rock barulhento, e isso continua até hoje, vide a “Casa do rock”, hoje “Cultiva”, que está lá, com o espaço aberto para os shows menores, sem nenhum apoio “estatal”. Digamos que alguém dentro da máquina do estado tenha sensibilidade e reconheça a legitimidade do trabalho dessa galera e resolva investir – eu acho ótimo. De vez em quando acontece e é muito bom que esteja acontecendo. Aqui o maior exemplo é o Rock sertão, que começou com a atitude de um grupo de garotos apaixonados lá em Nossa Senhora da Glória e foi crescendo com a persistência dos mesmos e o suporte de alguns indivíduos de fora do circuito, como um padre da cidade, que apóia a iniciativa desde os seus primórdios. Cresceu tanto que chamou a atenção do Governo do Estado, que forneceu visibilidade ao festival no ano retrasado, bancando uma atração nacional para servir de chamariz (Zeca Baleiro) e uma publicidade massiva nos meios de comunicação – privados, inclusive, publicidade paga, por exemplo, a uma afiliada da Rede Globo na qual trabalha o Sr. Álvaro. Ano passado o governo saiu fora, mas o festival, veja só, aconteceu. Este ano o estado voltou a dar suporte ao festival, mas eu não tenho dúvidas de que ele iria acontecer de novo, de qualquer jeito – sem a mesma visibilidade, claro, mas aconteceria.

Um outro bom exemplo é o Abril pro rock, de Recife. Conheço Paulo André desde os tempos em que ele tinha uma loja especializada em rock chamada Rock Xpress e fazia shows com bandas gringas, que eu me lembre, sem apoio do poder público. A primeira vez que eu vi um show do Kreator foi num evento produzido por ele. Um dia ele teve a feliz idéia de chamar uma galera que estava fazendo uma movimentação diferente e criou o Abril pro rock. Nasceu o movimento “mangue beat”, que cresceu ao ponto de chamar a atenção do governo do estado, e qual o mal nisso ? Muito melhor que o poder público invista no fomento à diversidade cultural do que despejar dinheiro em festas populares massificadas (e massificadoras) que se sustentariam tranquilamente por conta própria, como o do Pré-Caju. O caso do Abril pro rock é emblemático porque por um tempo o festival recebeu apoio da Petrobras, tão citada por Álvaro em sua coluna. Pois bem, ano passado eles perderam este apoio, mas o festival aconteceu e, veja só, teve a presença de sua maior atração internacional até agora, o legendário grupo Motorhead. Teve que se adequar, mais ainda este ano. Diminuiu de tamanho e talvez diminua ainda mais daqui pra frente, á medida que os apoios forem minguando. Pode ser que acabe caso Paulo André, pessoa física, resolva não levar o projeto adiante e não repasse o nome para terceiros, mas pode ter certeza que o rock independente continuará existindo em Recife, com ou sem Abril pro rock.

Uma questão mais sensível abordada não pelo Álvaro, mas em outros textos reproduzidos acima, é a do pagamento dos artistas envolvidos. Neste caso eu acredito que, caso haja investimento, seja ele público ou privado, que haja algum retorno para quem é, afinal, a verdadeira atração da noite. Considero exemplar a posição de Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, que fala que toca de graça se quiser, mas se reserva no direito de não aceitar determinadas propostas. Perfeitamente compreensível que um músico como ele, com uma extensa bagagem e já ostentando algumas madeixas de cabelos brancos, esteja cansado de “pagar pra tocar”. Neste caso eu acho que o jogo deve ser totalmente aberto entre a produção e os músicos para que não paire dúvidas de que alguém esteja, espertamente, se bancando às custas do trabalho alheio. Artista não precisa se prostituir, nem produtores deveriam ser arvorar no direito de viver de cafetinagem. O Rock sertão, este ano, estará pagando um cachê e isto é importante, mesmo que seja um valor simbólico. É bom para a auto-estima de todos. Caso não dê para pagar, que as contas do evento sejam totalmente abertas, para que todos saibam para onde os recursos estão indo e entendam o porque da impossibilidade do pagamento. Aí cabe ao músico decidir se embarca ou não no projeto, e não vale ficar magoado diante de alguma recusa. Quem come prego sabe (ou pelo menos deveria saber) o cu que tem.

É isso. Até o Rock Sertão !

por Adelvan

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