segunda-feira, 27 de setembro de 2010

paulistas, protejam seus ouvidos ...

No último domingo eu vi um dos melhores shows de minha vida: Dinosaur jr. Ao Vivo na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, na Bahia. Dá pra acreditar que eu nunca tinha ido na Concha acústica do TCA ? Encravado no Campo Grande, centro da cidade, além de amplo, espaçoso, bonito e com uma excelente estrutura, o local é lendário, um dos melhores e mais democráticos espaços culturais da região. Por lá já passou de tudo, como por exemplo um show do Sepultura em formação "clássica", com Max Cavalera, no início dos anos 90, que alguns de meus amigos Headbangers daqui que foram não cansam de lembrar. Me bati com um brother das antigas, o vocalista da banda punk baiana Injuria, por lá, mencionei que era minha primeira vez na Concha e ele já foi lembrando da primeira vez dele, em 1989, show do Cólera com o Taurus ! Por aí dá pra notar a diversidade e a importancia desses espaço para o cenário não apenas soteropolitano, mas também de todo o nordeste.

Era também a primeira vez do Cidadão Instigado, e Fernando Catatau estava emocionado por isso. Ele já tinha tocada por lá com outros músicos, como Otto, há poucos dias, mas não com a SUA banda, o Cidadão. E foi um show excelente, como não poderia deixar de ser, já que a estrutura era de primeira. Aquele mesmo desfile de pequenas pérolas psicodelicas pontuadas por uma originalíssima sonoridade influenciada pela musica REALMENTE popular brasileira dos anos 70 e 80 - sim, não há como negar, Cidadão Instigado É influenciado por aquele brega clássico (que Catatau prefere chamar de musica romantica), e é sensacional. É como se Odair José tivesse tomado um ácido e tirado uns sons com alguma banda psicodelico/progressiva virtuosa. Destaque para "Deus é uma viagem", com seu clima num "crescendo" que culmina numa espécie de louvação. Acho essa música uma obra-prima - aliás, acho o disco "Uhuu" um dos melhores (senão o melhor) do rock brasileiro dos últimos tempos. Rock mesmo, brasileiro, mas ROCK - "Viva a resistencia roqueira no Brasil", gritou Catatau numa certa altura. Excelente.

Antes do Cidadão teve A BANDA DE JOSEPH TOURTON. Legal. Bons musicos, boas intenções (musica instrumental experimental), mas falta composição. Não me ofendeu, mas também não empolgou.

Mas a gente estava lá para ver o Dinosaur jr. Vimos, e ouvimos. Ouvimos muito. Muito alto. Foram precedidos pela montagem de duas paredes de amplificadores, com a mítica marca "Marshall" reluzindo na maioria deles. Isso num pequeno intervalo pontuado pela versão reggae do Dark side of the moon cometida pelo Easy Star All-Stars nos alto-falantes e algumas entrevistas pessimamente conduzidas por um entrevistador ridiculo que parecia ter caido de para-quedas no evento nos telões. Mas quando entraram no palco, entraram "com gosto de gás", como costumamos dizer por aqui. Quer dizer, não entraram correndo, nem saudando a galera aos gritos de "Huhuu" ou coisas do tipo. Apenas entraram, ligaram seus instrumentos e começaram a triturar, sem dó nem piedade, nossos tímpanos. E nós gostamos, muito. O ritual de sado-masoquismo sonoro começou com uma faixa de "Green mind", aquela que no disco tem uma flautinha bacana criando um clima (acho que é "thumb" - perdão por não saber o nome com precisão, sou apenas um "jornalista amador"). Perfeito. Deu o tom do que seria o restante da apresentação: Displicente, porém super eficiente. Displicencia é, aliás, a marca registrada não tanto da banda em si, mas de seu líder, J. Mascis. Enquanto Lou Barlow se acabava batendo cabeça enquanto espocava as cordas de seu contra-baixo no lado direito do palco e o baterista batia sem dó nem piedade em suas peles, Mascis apenas ligava suas fender Jazzmaster no talo e nos emocionava com aquelas belas melodias saídas de sua voz preguiçosa. Barlow arriscou uns "obrigados" em bom português, Mascis falou alguns "thank you" numa vozinha afetada, em tom de brincadeira, e foi isso. A comunicação com o público foi através da música. Só clássicos, como prometido. "The Wagon", "I Feel the pain" e "over it", aquela do sensacional videoclipe deles andando de Bike e skate, foram as vencedoras na categoria "recepção entusiasmada" por parte dos presentes. De minha parte, me emocionou bastante a execução de "out there", do "Where you been", disco com o qual eu e quase todo mundo com mais de 30 aqui no Brasil foi apresentado ao som da banda, já que foi o primeiro a ser lançado em terras tupiniquins, em plena "era do grunge". Para o bis, apenas dois sons. Encerraram com o excelente cover de "just like heaven", do the cure. Aliás, nunca vi um final de show tão abrupto. Pararam de sopetão, agradeceram com um "thank you" apressado e caíram fora. Pode ter dado a impressão aos desavisados de que eles não estavam felizes por estar ali. Pode até ser que eles realmente não estivessem felizes por estar ali - o que eu acho difícil - mas não importa: Eu estava feliz, meus amigos estavam felizes e as pessoas ao nosso redor também pareciam bastante satisfeitas. Voltamos pra casa felizes e eu estou feliz até agora, digitando isso aqui pra você. Espero que você tenha ficado feliz depois de ler.

por Adelvan, uma pessoa feliz.

PS: Ah, comprei uma camiseta linda, azul, com a estampa da capa do Farm. Estou usando-a, feliz, nesse exato momento.



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para quem não viu ainda:

Porque você deveria ir ver os shows do Dinosaur jr. no Brasil

Texto feito por Tiago Marditu, jornalista, músico e profundo conhecedor da obra do Dinosaur Jr ...

Qualquer roqueiro sabe, ou, ao menos, deveria saber, da importância de estar sábado no teatro da UFPE, ou no shows de São Paulo e Salvador que rolam por esses dias. “Ah, você está se referindo a edição desse ano do Festival Coquetel Molotov“, diria você, leitor antenado. Sim, mais especificamente de um show: o do Dinosaur Jr.

Mal comparando, assistir ao show do Dinosaur Jr agora é uma oportunidade imperdível para qualquer fã de rock dos anos 90, assim como assistir ao Deep Purple , na tour que passou pelo Brasil em 2003, foi imperdível para os admiradores do rock do anos 70. Só que, nesse caso em especial, a jurássica banda dos 90 (ou dos 80, já que ela foi formada em 1983 e lançaram seus três primeiros discos nos idos anos 80) voltou com sua formação original – J. Mascis, na guitarra e vocal, Lou Barlow, no baixo e vocal, e Murph na bateria – e, pasmem, vem lançando grandes discos e fazendo shows muito bem cotados por público e crítica especializada. Tente imaginar quantos outros artistas se encontram na mesma situação, obtendo resultados igualmente efetivos. Eu sei, são poucos mesmo.

Se isso ainda não te emocionou, saiba que estamos tratando, acima de tudo, de uma banda que, não só foi responsável por cunhar o rock alternativo dos anos 80/90, mas que hoje também tem a função de preencher algumas lacunas do gênero, que, saudavelmente, diga-se de passagem, incorporou novos elementos que o afastaram de suas origens básicas. O Dinosaur Jr ainda se mantém firme e forte com seu rock melódico, enérgico e barulhento, com raízes fincadas tanto no punk/hardcore oitentista, como no country rock dos primeiros discos do The Byrds e no hard rock de um James Gang. Uma banda de alma rústica, caipira por essência.

Como não se não se admirar com um grupo que teima em fazer uso ostensivo da guitarra e que ficou conhecida por causa dos solos desse instrumento. Sim, solos de guitarra, o ápice da indulgência rockeira; solos esses que aparecem aos montes em suas músicas, longos, quase intermináveis, sempre empapuçados de distorção e sujeira acima da média. Em priscas eras, isso já era uma verdadeira heresia para uma banda com passado hardcore (leiam mais sobre isso abaixo) e que estava fomentando um estilo de música que também viria a abolir firulas nas 6 guitarras e nos demais instrumentos. Hoje em dia, o grupo empunha de forma natural essa tradição que pode, e deve conviver em paralelo com as mais diversas novidades sonoras.

Difícil ao menos não respeitar a figura de J Mascis, um dos grandes guitar heroes do rock underground americano, que mostrou que garotos tímidos e estranhos também poderiam formar grandes bandas de rock. Com seu vocal anasalado, sua postura distanciada e letras quase sempre melancólicas, se tornou ídolo de uma geração que hoje se encontra na faixa de 30/40 anos e ainda encontra nicho em um público bem mais jovem, que claramente se identifica com o espírito adolescente presente na música de sua banda.

Tendo em vista tudo dito acima, nem é preciso salientar a obrigatoriedade de estar presente, hoje à noite, no teatro da UFPE, no caso de Recife. Caso ainda resta alguma dúvida, talvez isso seja a constatação de que você envelheceu muito mais do que deveria.

Dinosaur (1985): Como na maioria dos discos de estréia, a banda ainda estava procurando sua identidade. Em alguns momentos, dá para perceber que havia uma certa dificuldade, de um molde para um razoavemente extenso leque de influências. Rola um flerte com o pós-punk (“Pointless”) e chegam a soar como um Mission of Burma lo-fi em “Gargoyle”. A hard rokeira “Mountain Man” é um dos destaques, com direito a uma passagem descaradamente hardcore e vocais “demoníacos” no finzinho da música. O grande lado negativo fica por conta da péssima produção que deixou as canções sem o punch necessário, arrematando ainda o fato da performance da banda ainda estar aquém do que eles viriam demonstrar nos trabalhos seguintes.

You’re Living Over Me (1987): A obra prima do grupo, ponto final. Discoteca básica para qualquer um que deseja entender o tal do rock alternativo dos anos 90. A produção ainda é vacilante em vários pontos, mas o repertório presente faz isso se tornar quase irrelevante. Das 10 músicas presentes, 8 poderiam estar tranquilamente em um “Best of” da banda, o que não é pouca coisa – a acústica e estranha “Poledo”, de autoria de Barlow, é bem bacana, mas está mais para um protótipo de algo Sebadoh do qualquer outra coisa, e a última é um impagável cover de “Show Me The Way”, de Peter Frampton. Os característicos momentos em que os decibéis correm soltos começam a se mostrar bem mais presentes, assim como um maior cuidado com as melodias e refrões.

Bug (1988): Disco que está pau a pau com You’re Living Over Me, perdendo talvez por alguns décimos. Finalmente a banda se encontra. O famoso paredão guitarrístico da banda aparece forte como nunca. A faixa de abertura, “Freakscene”, é considerada a música mais representativa da banda, trazendo à tona todos os elementos característicos do trio: riff pegajoso, o vocal semidesafinado de J cantando uma melodia certeira, energia saindo pelo ladrão e o esperado momento “guitar freakout”. Apesar de tudo isso, J nunca escondeu o fato desse ser o disco da banda que ele menos gosta – possivelmente isso se deve às brigas intermináveis que ocorreram durante a gravação do mesmo, culminando na saída de Barlow da Dinosaur Jr.

Green Mind (1991): Talvez como forma de exorcizar o stress do disco anterior, a banda, agora resumida a um duo (Murph e J, que,além das guitarras, gravou todos os baixos), resolveu caminhar pra um direcionamento mais tranquilo e menos ruidoso. Até as faixas mais agitadinhas, como “Blowing It” e “The Wagon”, são um tanto quanto mais serenas se comparadas as dos discos anteriores. Uma forte atmosfera country rock pode ser sentida aqui, ratificando ainda mais a capacidade da banda de fazer grandes canções.

Where You Been (1993): Todo fã com mais de 28 anos tem grande carinho pelo Where You Been, pois provavelmente foi com esse disco seu primeiro contato com a música do grupo. O ex-baixista da banda de Mark Lanegan, Mike Johnson, é efetivado no grupo. A despeito das sempre eficazes linhas de baixo de Barlow, Johnson era um músico com maiores predicados e acrescentou uma certa dose de sofisticação ao som da banda. O batera Murph também teve um desempenho dos mais inspirados. Esse talvez seja o disco onde as referências de rock setentistas estejam mais presentes.

Without a Sound (1994): Uma continuação natural do Where You Been, talvez um pouco mais diversificado musicalmente e contendo ótimos momentos, vide “Grab It”, “Yeah Right“ e “Fell The Pain”. Quem dessa vez saiu da banda foi Murph, cansado das desavenças com o gênio forte de J – aliás o próprio resolveu assumir as baquetas – em priscas eras, antes de partir para a guitarra, ele era baterista – e fez um grande trabalho.

Hand Over It (1997): O disco mais atípico do Dino Jr. Em algums momentos, teclados, trompetes e arranjos de corda se destacam mais que as guitarras. Mas isso não quer dizer que elas não apareçam; elas estão lá, mais ruidosas do que nunca. Pode-se até dizer que esse é o disco mais shoegazer da banda – por falar nisso, Kevin Shields e Bilinda Butcher, dos shoegazers-mores, My Bloody Valentine, fazem backing vocals em algumas faixas.

Beyond (2007) e Farm (2009): Os dois últimos discos da banda trazendo de volta sua formação original podem caber em um mesmo lugar: há poucas diferenças estéticas entre ambos e neles o power trio está mais afiado do que nunca, mostrando um vigor sonoro impressionante. Ao fazer um “back to the basics”, buscando a sonoridade dos primeiros discos, somada a toda carga obtida com os anos de estrada, o resultado final obtido foi bem acima do esperado. Músicas como “Been There All The Time”, “Pick Me Up”, Amost Ready” (do Beyond),“Over It”, “I Want You To Know” e “Plans” (do Farm) estão entre as melhores coisas que eles já fizeram em toda sua trajetória.

Fonte: altnewspaper

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