quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Gothic pelourinho

Há um bom numero de anos atrás, na segunda metade da década de 90 do século passado, lembro-me de estar no show de lançamento do primeiro disco ao vivo do brincando de deus no pelourinho, em Salvador. Ao ver no telão um vídeo de Morrissey, comentei como era inusitado assistir o bardo de Manchester em pleno centro Histórico da Bahia, coração da cultura afro-brasileira. Não havia, evidentemente, nenhuma conotação pejorativa em minha observação, mas ela despertou uma lembrança em meu camarada Rogério Big Brother, que estava ao meu lado, e ele retrucou: “Que nada, aqui no Pelourinho se vê de tudo. Tempo desses a gente tava voltando pra casa de madrugada quando vê um gringo bêbado sendo “escoltado” por duas putas. A fisionomia do cara nos pareceu conhecida, quando chegamos perto, era Jimmy Page! Ao ver nossa cara de assombro, as putas perguntaram se a gente conhecia aquele gringo e sabia onde ele estava hospedado”.

Igualmente inusitado foi viajar à Bahia, novamente ao Pelourinho, para ver um evento de música gótica “underground”. De alguns anos pra cá tenho sentido que Salvador está se tornando mais cosmopolita, mais aberta a uma maior diversidade cultural, muito provavelmente por conta de uma nova política pública mais democrática e pluralista advinda com o fim do “carlismo” e sua “máfia do dendê” – não por acaso, o evento tinha o patrocínio do Governo do Estado. Fico feliz com isso, até porque a capital baiana fica perto de Aracaju e nós poderemos também, a princípio, desfrutar desses novos tempos.

Chegamos à Praça Teresa Batista por volta das 18:30. A primeira banda a se apresentar na noite já estava no palco – não sei qual era o nome da mesma, mas a julgar pelo que estava no cartaz, era “Inominável”. Uma sonoridade calcada no punk rock que se fazia por aqui no início da década de 80, ou seja: tosco, simples, direto, cru. Uma coisa curiosa sobre as bandas de Salvador é que elas, quando não estão entre as melhores em seu estilo (vide Dead Billies, Retrofoguetes, Headhunter DC, Mystifier, Vendo 147 e a já citada brincando de deus), tendem a ser extremamente caricatas, beirando o bizarro. Era o caso da Inominável, que tinha como “frontman” um figuraça esquisito trajando um vestido horrível (não sei de onde aquele cara tirou a idéia de que ele iria ficar legal daquele jeito). Não teria sido nada demais se a falta de bom senso não tivesse feito com que o show se arrastasse por um tempo mais do que o razoável para o tipo de som que eles fazem, numa interminável sucessão de sons que mais pareciam esboços de musicas - algumas, inclusive, instrumentais, o que é ridículo em se tratando de uma banda que, assumidamente, não sabe tocar.

No intervalo, discotecagem. Não é a minha praia, definitivamente, mas uma DJ simpática mandou bem nuns EBMs pesadões que colocaram a galera pra dançar. Enquanto isso, no palco, a segunda banda, Latromoden, se preparava. Tratava-se, na verdade, de uma dupla, um vocalista + um guitarrista acompanhados por bases pré-gravadas. Depois de uma interminável introdução, começa a musica propriamente dita, e mais uma vez minha teoria de botequim sobre o rock baiano se confirma: tratava-se de um pastiche de pós-punk, com clima etéreo e andamento extremamente lento, além daquelas letras pseudo-poéticas e depressivas típicas das bandas “dark” brasileiras da década de 80. O visual e os trejeitos do vocalista, no palco, eram tão caricatos que chegava a ser involuntariamente cômicos, ainda mais quando levamos em conta o figurino da criatura, com seu cabelo “lambido” de gel terminando num minúsculo “rabo de cavalo”, blusa vermelha e calça e luvas de couro pretas. Parecia uma espécie de “Wando gótico”. Aliás, acho que foi a banda mais “gótica” que eu já ouvi em toda a minha vida, com frases do tipo “não há remédio para o caos ou para o tédio, somente o suicídio” proferidas numa expressão desesperada por Robson “Sinistro” (sim, é esta a alcunha do rapaz), que até que tem um vozeirão legal, assim como o som deles não é de todo ruim, tem belos climas, bons arranjos e guitarras poderosas, mas “viajam” demais no “darkismo”. Fiquei até imaginando: seria realmente impressionante se um cara desses se matasse pra valer no palco. Todo mundo lá distraído de repente se ouviria um pipoco e pá, tá ele lá, morto, estendido no chão. Aí, sim, ia passar a levar a sério todo aquele discurso enfadonho (antes que alguém me acuse de desejar a morte do rapaz, é brincadeira, ok ? Apenas um devaneio besta de uma mente entediada tentando se distrair, e se ele pode – fez questão de ressaltar para a platéia que era brincadeira o papo de suicídio na letra – eu também posso). Mas não, muito pelo contrário, o cara (e parte do público) estava era se divertindo, alguns com a banda, outros RINDO da banda, como um figura ao meu lado que exclamou “ih, então o problema é esse, o cara é brocha” ao ouvir a letra de “Elizabeth”, outra desesperada canção de amor depressiva que dizia a certa altura: “ás vezes eu tento FODER você e não consigo”. A julgar pela reação de alguns fãs entusiasmados e do que tenho lido na net, tem quem goste, mas eu, de minha parte, só consegui ficar espantado com o “goticismo” das criaturas. Fiquei no meu canto comendo meu churrasquinho de gato com guaraná, apreciando mentalmente o espetáculo de imagens de cadáveres frios de musas repousando entre rosas e espinhos que saía da boca do vocalista. A partir daquela noite, “latromoden” virou sinônimo de depressão, algo do tipo “nossa, você acordou meio latromoden hoje, heim”. Ah, Salvador ...

Mas enfim, o motivo de nossa presença (minha e dos que me acompanhavam) era ver, finalmente, um show decente dos cearenses da plastique noir, já que o que tinha visto em Recife, no Abril pro rock, foi tumultuado e cheio de falhas técnicas. Não me decepcionei, felizmente. Antes deles, no intervalo, mais um DJ na pista, só que desta vez mandando uma discotecagem totalmente voltada para o rock brasileiro, especialmente o dos anos 80, com direito, inclusive, a algumas pérolas da new wave brasuca que há tempos não ouvia, como “Beat acelerado”, do Metrô. Poderia ter sido legal, mas o cara não era bom, não tinha a menor noção de como enfileirar musicas que seguissem um padrão sonoro coerente ou uma unidade conceitual, o que resultou numa sopa indigesta que misturava Nação Zumbi (???!!!) com Camisa de Vênus e Hard core no mesmo caldo. Resultado: pista vazia.

Plastique Noir é a melhor banda do estilo (gótico/Darkwave) no Brasil. Não são nem um pouco originais, mas conseguem emular o som que era feito por grupos como Clan of Xymox e Sisters of mercy nos anos 80 de forma extremamente competente e com boas composições, o que é importante para que não se tornem uma cópia mal-acabada de tudo o que veio antes. Muito pelo contrário, são daquelas bandas que você ouve e pensa “isso parece muito com Joy Division, mas não é Joy Division. E é bom”. É como se você estivesse ouvindo uma música do Joy Division que nunca tinha ouvido antes – o que é o caso da primeira composição mais nova que eles executaram – e eu não consigo imaginar um elogio maior que este. Grande som, assim como muito boa também foi a segunda das três inéditas que pontuaram o show. Só não gostei muito da última, que encerrou a apresentação, um tanto quanto arrastada e com um ritmo meio “truncado”. Mas nada que pudesse estragar a apresentação como um todo, que foi excelente, com direito, evidentemente, a verdadeiros “clássicos” como “Those Who walk by the night”, “Imaginary walls” e “Creepshow”. Daniel estava lá cavucando seu baixo, mazela mandando muito bem nos dedilhados e nas “caras e bocas” e Airton S. perfeito, disparando programações e batidas poderosas entre vocais cavernosos, emoldurado por um belíssimo topete “à La Morrissey”. O som estava muito bom e desta vez tudo correu bem, beirando a perfeição. Só o público eu achei meio perdido no espaço, mas Mazela agradeceu no microfone a presença de todos e falou que público de lá “agitava muito” – então tá, ou ele estava sendo “político” ou realmente estava sendo bom para eles, e se estava bom para eles e bom para mim e para as pessoas que vieram comigo, que se divertiam a olhos vistos, o resto que se foda. Foi excelente.

É isso. Espero que as coisas REALMENTE mudem na “cidade do axé e do amor” e eu tenha mais e mais motivos para me deslocar para lá, já que aqui em Aracaju, do jeito que as coisas estão, está difícil de ver ao vivo uma banda como a plastique noir, que tem um público tão, digamos, “específico”. O resto da viagem transcorreu numa boa, mas com direito a alguns episódios pitorescos, afinal estávamos em Salvador – em um deles um de meus companheiros de jornada foi ingenuamente ludibriado por uma cigana que o “tocaiou” num canto em frente ao Mercado Modelo, pediu para que ele colocasse a nota que tinha no bolso (20 reais) na mão e soprasse, só para vê-la sumir misteriosamente. “Onde está meu dinheiro?”, perguntou ele – “tá com o Senhor do Bomfim”, respondeu ela.

Ah, Salvador ...

por Adelvan

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