quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Tempo bom, “que não volta nunca mais”.

Houve um tempo em que os Titãs, aquela banda horrível que hoje se limita a fazer shows burocráticos para pagar as contas de seus componentes, tinha peso – no sentido literal e no figurado. Depois de uma carreira relativamente bem sucedida flertando com a new wave (sonífera ilha/sossega meus olhos), eles lançaram, sob o impacto das prisões de Arnaldo Antunes e Tony Belotto por posse de heroína em 1985, um disco que se tornou um marco na história do rock nacional: “Cabeça Dinossauro”, de 1986. Eu posso atestar o impacto que esta verdadeira pedrada sonora teve na época, já que era um adolescente começando um flerte que logo viria a se tornar um namoro e, pulando a fase de noivado, um casamento duradouro que persiste até hoje com “esse tal de rock and roll”: foi imenso. Faixas como “Bichos escrotos”, “Estado violência”, “polícia”, “porrada”, “A face do destruidor” e, especialmente, “Igreja”, com sua letra extremamente agressiva para uma banda “mainstrean”, mesmo se vista sob os padrões de hoje (lembro do caso de um indivíduo, lá na cidade onde morava, que tinha o disco mas fez questão de riscar a citada faixa com um prego), iniciaram toda uma geração nas delícias do rock “duro” e contestador – do punk rock, enfim.

E não era só isso: havia também experimentação com poesia concreta (AAUU/o que) e com tambores tribais (a faixa título), além de alguns flertes com ritmos mais acessíveis porém sem perder a verve contestadora, caso de “família”, “dívidas” e “Homem primata”. "Bichos Escrotos" foi um caso a parte, já que se tratava de uma canção que tocavam desde 1982 e que só pôde ser gravada nesta ocasião. Mesmo assim, a censura vetou a faixa nas rádios por conta do verso "vão se foder", o que não desencorajou algumas emissoras a veicularem uma versão sem a tal frase vetada - às vezes até a própria versão original, o que acarretava em um pagamento de multa. A capa, antológica, foi baseada em um esboço do pintor italiano Leonardo Da Vinci intitulado "A expressão de um homem urrando" e ganha muito no formato maior do vinil. Um outro desenho de Da Vinci, "Cabeça grotesca", foi para a contracapa do disco. O mais incrível é que o álbum fez sucesso, e muito: rendeu o primeiro disco de ouro à banda, no final daquele ano. Já a turnê promocional, sob a responsabilidade do megaempresário Manoel Poladian, o mesmo da explosiva “Radio Pirata”, do RPM, percorreu o Brasil e foi igualmente marcante. Não me lembro se chegaram a passar por Aracaju nessa época, mas lembro bem de ter visto um show do Titãs no Ginásio Constancio vieira e ter me emocionado ao poder conferir finalmente, ao vivo, alguns desses verdadeiros clássicos do cancioneiro roqueiro nacional.

Pois bem, “Cabeça dinossauro” e mais dois dos melhores discos da melhor fase dos Titãs, “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” e “Õ Blesq blon” (curto muito o defenestado “tudo ao mesmo tempo agora”, também), acabam de ser relançados em gloriosos vinis de 180 gramas pela polyson dentro da série "Clássicos em Vinil", que já tinha nos dado “todos os olhos”, de Tom Zé, e “Nós vamos invadir sua praia”, do ultraje a Rigor. Chega a ser (tristemente) irônico este relançamento sem que eles nunca tenham ganhado reedições decentes em CD, mas é bom constatar que os álbuns resistem bem ao teste do tempo. Acho o “Jesus não tem dentes”, inclusive, ainda melhor que o "cabeça", porque mais coeso e mais “roqueiro”. Já “Õ Blesq Blon” tem algumas pérolas, como “Miséria”, “o pulso” e “Flores”, mas é mais fraquinho. “O Camelo e o dromedário”, especialmente, me irritava muito.

O preço é salgado, mas vale a pena o investimento, especialmente para os colecionadores e/ou para aqueles que viveram aquele tempo bom, “que não volta nunca mais”.

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por Adelvan.

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