terça-feira, 16 de agosto de 2011

Marcelo Nova, 60 Anos

Houve um breve período, no final da década de 80, em que os meios de comunicação pareciam estar testando os limites da liberdade de expressão recém conquistada com o fim da censura imposta pelo golpe militar de 1964. Por conta disto, havia uma verdadeira proliferação de músicas e imagens com teor explícito, algumas de evidente mau gosto, tanto no rádio quanto na televisão. Foi nesta época que “Silvia”, um libelo machista/sexista composto “nas coxas” pelo grupo baiano Camisa de Vênus num ensaio e incluído em seu disco “Viva! Ao Vivo”, registro de um show no Caiçara Music Hall de Santos, São Paulo, virou “hit”. Não esqueço da imagem de minha mãe limpando a casa enquanto a voz poderosa de Marcelo Nova bradava no rádio “pois eu vi você com a mão no pau do vizinho! Ô Silvia, piranha! Ô Sua puta!”. “E pode?” – era só isso que vinha à minha cabeça.

Fiquei sabendo que podia. Na verdade não podia, mas haviam pessoas “abusadas” que gostavam de ir de encontro às convenções e fazer as coisas sem se importar se seus atos se encaixavam nos padrãos aceitáveis pela sociedade. O pessoal do Camisa de Vênus fazia parte desta turma, e eu resolvi que queria ser um deles.

Virei um “roqueiro”, um rebelde – o que foi uma mudança e tanto, já que até pouco tempo antes era um moleque carola que tirava 10 nas aulas de catecismo e ficava pegando no pé de minha irmã porque ela chegava tarde demais em casa. “Viva!”, o disco Ao Vivo do Camisa de Vênus, se tornou a aquisição número um de uma coleção que, de lá pra cá, nunca parou de crescer. Me espelhava, especialmente, no vocalista, Marcelo Nova, sempre polêmico e sem papas na língua, mesmo que, por pura ignorância e ingenuidade, não conseguisse reconhecer suas contradições, como o fato de viver criticando o então emergente rock nacional por copiar descaradamente o que era feito “na gringa”, sendo que ele mesmo praticamente xerocou “that´s entertainment”, do The Jam, em “passatempo”, e o refrão de “gimme shelter”, dos Stones, em “Só o fim”. O pessoal da Bizz tentou me alertar, mas não teve jeito: na minha cabecinha de fã era tudo intriga daqueles críticos frustrados. Meu ídolo era foda, deveria estar certo.

Não estava. Como todo mundo que fala demais, Marcelo Nova fala (e faz) muita besteira. Mas não deixa de continuar sendo um cara importante não só para minha formação musical, como para a própria história do rock brasileiro. Como não respeitar, afinal, um cara que emprestou sua guitarra para Chuck Berry tocar na primeira vez em que ele esteve no Brasil, em 1993? Que mandou a toda-poderosa Som Livre, braço radiofônico da Rede Globo, literalmente tomar no cu, quando eles insistiram para que mudassem o nome da banda ? “Vamos mudar para “capa de pica”, foi sua resposta. Um cara cuja banda lançou o primeiro álbum duplo do rock nacional, praticando um evidente e proposital suicídio comercial, justamente quando estava no auge de sua carreira, fazendo sucesso em todo o Brasil com “Simca Chambord”, “Deus me dê grana” e a já citada “só o fim”, a mais tocada nas rádios daquele ano de 1986. Depois lançou-se em carreira solo e antecipou a moda dos discos acústicos com “blackout”. Antes, ajudou a dar um último suspiro de vida artística ao ídolo-mor Raul Seixas, então em total ostracismo, gravando com ele o disco “A Panela do Diabo”. Foi acusado, injustamente, de oportunista, mas oportunistas foram os que gravaram musicas e discos em tributo a Raul depois de sua morte quando não davam a mínima para ele enquanto era vivo.

Sim, eu ainda admiro Marcelo Nova, mesmo depois de episódios como a “pataquada” que foi sua única passagem por Aracaju em carreira solo. Foi num projeto chamado “Acorde”, ao lado da Karne Krua, no Mercado Central, há aproximadamente 6, 7 anos. Veio sem guitarrista. Improvisou com Fabio, conhecido na cena local e fã de longa data do Camisa de Vênus, um arremedo de show que só não foi um fracasso total porque o cara é, no final das contas, um frontman do caralho! Já tinha tido a oportunidade de conferir este fato “in loco” nos anos 90, quando ele passou por aqui com uma turnê que reunia o Camisa em formação “quase” original, com Karl, Robério e Gustavo tocando juntos com Marcelo pela primeira vez desde 1987.

Hoje, 16 de agosto de 2011, Marcelo Nova faz 60 anos. Para comemorar, está lançando “Hoje no Bolshoi”, DVD gravado Ao vivo em Goiânia que será também o primeiro lançamento em formato Blu-ray do rock nacional.

Meus parabéns.

Por Adelvan

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(Wikipédia) Marcelo Drummond Nova (Salvador, 16 de agosto de 1951) é um cantor e compositor brasileiro. Foi vocalista da banda baiana Camisa de Vênus, desde o início dos anos 1980 até o seu primeiro final em 1987. Em 1988 iniciou sua carreira solo tendo gravado, no ano seguinte, um LP ao lado de Raul Seixas, intitulado A Panela do Diabo. Em 1995, reuniu-se com o Camisa de Vênus e lançou mais dois álbuns, sendo um ao vivo e outro de estúdio. Em 1998 retomou a sua carreira solo.

Reúne-se esporadicamente com o Camisa de Vênus e seu último trabalho de estúdio é o álbum O Galope do Tempo de 2005. É conhecido, principalmente, pelas músicas Bete Morreu, Eu não Matei Joana D'Arc, Simca Chambord e Só o Fim, com o Camisa de Vênus, e Pastor João e a Igreja Invisível e Carpinteiro do Universo, com Raul Seixas.

Marcelo Nova nasceu e cresceu em Salvador. Na infância era muito tímido e concentrava todas as suas horas livres em ouvir música. Ficava tardes e tardes inteiras apenas ouvindo música e prestando atenção aos detalhes, aos instrumentos e ao modo pelo qual eles eram tocados nos vários discos.[1] Foi nessa época que teve o primeiro contato com o rock and roll, quando pediu que seu pai lhe comprasse um disco de Little Richard, chamado Here's Little Richard.[1] Aos 14 anos viu Raulzito e os Panteras tocarem ao vivo, o que o fez perceber que era possível fazer o estilo de música que ele gostava aqui no Brasil.

Na adolescência e início da fase adulta trabalhou com seu pai, que tinha uma clínica de fisioterapia, fazendo pedigrafia.[1] Trabalhou também vendendo seguros antes de montar uma loja de discos chamada Néctar, em meados dos anos 70.[1] Com a loja, Marcelo consegue um emprego em uma rádio de Salvador, a Aratu FM, passando a ser responsável por um programa, chamado Rock Special, e pela programação da rádio.

Com o programa, Marcelo Nova torna-se conhecido fora da Bahia por pessoas do Rio e de São Paulo ligadas a gravadoras que lhe chamavam para dar opinião sobre vários discos que eles recebiam das matrizes e não tinham a menor ideia do que se tratava e de como comercializar.

No início dos anos 80, Marcelo Nova vende o ponto da loja e, com o dinheiro, faz uma viagem para Nova Iorque onde toma contato com o movimento punk. Percebe que, com o conhecimento musical que ele tinha adquirido - aliado à filosofia punk do "faça você mesmo", poderia montar uma banda e fazer música mesmo sem grandes virtuosismos.

Ao voltar de viagem, chama um amigo que tinha conhecido na TV Aratu, Robério Santana, para formar uma banda que tocasse rock and roll e punk rock. A banda foi formada ainda em 1980 e, após o lançamento de um compacto, ficam famosos na Bahia, o que lhes abre as portas para que gravem um álbum A banda duraria sete anos e lançaria, nesse primeiro período, quatro álbuns de estúdio e um ao vivo, ficando conhecida no Brasil inteiro e chegando a vender mais de 300 mil cópias do disco "Correndo o Risco".

O Camisa de Vênus voltaria a se reunir em 1995, lançando mais dois álbuns, um ao vivo e outro de estúdio. Após novo fim, em 1997, se reuniriam esporadicamente nos próximos anos. Atualmente encontra-se em atividade com Eduardo Scott (ex-Gonorréia) substituindo Marcelo Nova nos vocais.

Após o último álbum da primeira formação do Camisa de Vênus, Marcelo Nova juntou músicos para formar uma banda de apoio para a sua carreira solo. A primeira formação da Envergadura Moral, como foi chamada, contava com Gustavo Mullem nas guitarras, João Chaves (o Johnny Boy) nos teclados, Carlos Alberto Calasans no baixo e o veterano Franklin Paolilo na bateria.

Após ensaios e apresentações, a banda entra em estúdio e grava o primeiro disco, Marcelo Nova e a Envergadura Moral, lançado em 1988. O álbum é composto de baladas, sendo mais intimista do que os trabalhos anteriores com o Camisa de Vênus.[4] Conta, ainda, com um cover de E Nós aqui Forrumbando, que foi renomeada para A Gente é sem Vergonha, tendo a participação de Genival Lacerda.

Em 1984, durante um show do Camisa de Vênus no Circo Voador, o grupo foi avisado que Raul Seixas viria para assisti-los e queria conhecê-los. O que acabou acontecendo foi uma festa com o Camisa de Vênus, mais Raul Seixas, tocando covers de clássicos do rock para quem compareceu ao show.

A partir daí, Marcelo Nova e Raul Seixas tornam-se grandes amigos. Em 1989 decidem gravar um disco juntos e saem em turnê, realizando 50 shows.[3] Mais tarde naquele ano seria lançado o segundo álbum da carreira solo de Marcelo Nova, A Panela do Diabo, que viria a ser o último disco gravado por Raul Seixas, lançado dois dias antes da sua morte.[6] Depois deste disco, Marcelo Nova foi tido por muitos como o sucessor de Raul Seixas,[7] título do qual ele nunca gostou e que sempre contestou.

No início dos anos 90, Marcelo Nova estava em turnê quando o presidente Fernando Collor confiscou as cadernetas de poupança de todo mundo. Os shows que ele tinha marcado foram cancelados.[3] Ele resolveu, então, pegar um violão e sair com mais um músico, sem nenhum instrumento elétrico, fazendo uma turnê acústica, o que trouxe a ideia de fazer um álbum inteiro com essa sonoridade.[3] Em 1991, saía o disco Blackout, primeiro disco integralmente acústico da história do rock nacional, que marca a entrada de André Christovam, substituindo Gustavo Mullem, nos violões da banda Envergadura Moral.

No álbum seguinte, em 1994, Marcelo pegou a sonoridade acústica e inverteu-a completamente, produzindo um disco com muita guitarra e muito peso.[3] O álbum recebeu o nome de A Sessão sem Fim e traz na guitarra o veterano Luis Sérgio Carlini, que ganhou fama como guitarrista da banda de Rita Lee dos anos 70, o Tutti Frutti.

Após a volta do Camisa de Vênus, em 1998, Marcelo Nova resolve gravar um disco só com releituras de músicas de sua carreira, experimentando novos arranjos. A ideia surgiu quando ele viu uma ultra-sonografia de um feto e ocorreu-lhe que ele pulsava num ritmo exato, não tinha futuro, nem passado, era um ponto de luz.[11] Assim, gravou o disco Eu Vi o Futuro, Baby. Ele É Passado com apenas um músico (o multi-instrumentista Johnny Boy) que, com a exceção do próprio Marcelo Nova em uma das faixas, tocou todos os instrumentos. Este é o último álbum de Marcelo a sair por uma grande gravadora, a extinta Abril Music.

No ano seguinte, Marcelo Nova lança dois álbuns ao vivo a partir de dois shows selecionados por um fã, Luís Augusto Conde.[12] São eles o Grampeado em Público - Volume I e Grampeado em Público - Volume II que saíram pelo selo independente Baratos Afins e foram distribuídos apenas nos shows que Marcelo Nova realizou pelo país, tendo vendido cerca de 6 mil cópias.

Em 2001 sai a caixa tripla Tijolo na Vidraça, na qual o artista faz um apanhado da sua carreira contando com músicas antigas remasterizadas, releituras e inéditas. Depois de um tempo excursionando pelo país, Marcelo solta, em 2003, uma coletânea com grandes sucessos de sua carreira, tanto solo como com o Camisa de Vênus, chamada Em Ponto de Bala.

No ano de 2005, após 13 anos compondo e criando o conceito, sai seu último álbum de inéditas, O Galope do Tempo. O álbum possui características existencialistas, indo do nascimento à morte.

CAMISA DE VÊNUS

Revista Bizz, Ed. 03 – outubro de 1985

"Cheguei, painho." Quem avisa é o guitarrista Karl Franz Hummel. Apesar do nome, ele é baiano - assim como os outros quatro integrantes do Camisade Vênus.
A banda foi parida há três anos no sítio Birita, km 7 de uma estrada qualquer do interior da Bahia. Robério era desenhista-publicitário; Marcelo, radialista; e Gustavo, bancário. Aldo tocava bateria numa igreja e "Karl vendia pulseiras, levantava ao meio-dia... um vagabundo", completa Marcelo.
Com uma formação musical vinda da pilha de discos que tinham em casa e dos superoito de shows gravados por Marcelo - quando ele "esbarrou" em Nova York - acharam por bem fazer um rock temperado com azeite-de-dendê. Alguma coisa com punch suficiente para tirar as pessoas "da letargia de verão". Marcelo ainda acrescenta: "De janeiro a março aquela terra parece Malibu".
Da Bahia, o último estouro musical que vem à cabeça é o Tropicalismo. Depois disso, só Novos Baianos e Raul Seixas - década de 70 -, num momento em que, conta Marcelo, "Elis Regina e Chico Buarque faziam passeata contra a guitarra elétrica". E agora o Camisa de Vênus.
Obstáculos no início de carreira? Obviamente. Primeiro pelo nome, depois por estarem afastados do eixo São Paulo-Rio. Fora o fato da mídia ter armado uma reputação punk para a banda.
E punks eles não são. Isso porque no último disco, além da formação-base de palco (duas guitarras, baixo, bateria e vocal), incluíram teclados, percussão, violino e saxofone. E Marcelo completa: "Temos 365 influências. Camisa de Vênus não tem paralelo lá fora. Não se parece com nenhuma banda".
Não mesmo. Lembra tudo. Basta ouvir o disco para perceber que passam pelo heavy - mas como tradição do solo de guitarra -, bebem do punk inglês da década de 70 e chegam até o reggae. Desatrelados de qualquer movimento, aceitam apenas um: "O da maré, que enche e vaza", diz Marcelo.
O punk fica por conta de uma iniciativa musical que dispensa virtuosismos, nas letras carrregadas de urbanismo e pornografia, e num vocal narrativo, pontuado a gargarejos.
Apesar dos anos de estrada, foram ignorados todo esse tempo pela imprensa. Hoje eles lotam qualquer espaço. Quem garante o sucesso é o público, que este ano jogou para primeiro escalão do Ibope a música "Eu não matei Joana D´Arc".
A glória não assusta. Novamente Marcelo: "Não seguimos nenhuma estratégica. Se uma dona-de-casa gosta do nosso som é porque se identifica com ele".

Nem panos quentes, nem papas na língua

BIZZ - Que tal começar por um balanço de carreira? Vocês surgiram numa época(82) em que o cenário estava tomando pela Blitz. Como foi chegar nesse cenário com uma proposta como a do Camisa de Vênus?
Gustavo -Não mudou muita coisa não, viu. Tem muita Blitz e Rádio Taxi por aí.
Karl - Não estamos muito preocupados com o Cenário, e Sim com o Camisa e com o que a gente faz.
Marcelo - Não foi difícil, foi fácil. Se é que foi realmente difícil. se a gente observa por esse ângulo de cenário, o que acontecia na Bahia em 82 era uma reciclagem do tropicalismo, e Moraes Moreira. Pepeu Gomes. Baby Consuelo. Caetano, Gil, Bethânia, Gal. E. tanto sonoramente como no texto, o Camisa é diferente de todos estes exemplos. O fato de a gente ter vindo para São Paulo e Rio de Janeiro foi mais uma conseqüencia do que a gente já tinha feito em Salvador. Quando a Blitz gravou ´batata frita, eu sei que vou me amar, essas coisas o Camisa já era sucesso cm Salvador com ´´Meu Primo Zé´´. que tocava em tudo quanto era rádio FM. Só que a veiculação era limitada a uma cidade. Não tinha o poder de penetração que há em São Paulo e Rio de Janeiro.

BIZZ - Façam um balanço do que vocês pretendiam e o que vocês conquistaram.
Marcelo - Gravamos um compacto em Salvador num estúdio pequenininho de oito canais. Aí a música começou a tocar e começamos a nos apresentar para casas cheias, tocamos para vinte mil pessoas no Farol da Barra. E aí pintou o lance de gravar um LP. que a princípio seria pela Fermata. Viemos para São Paulo para isso e. quando estávamos no estúdio, uma pessoa entrou. ouviu e propôs para o Toninho (o contato da gravadora) que o disco poderia sair pela Som Livre. Como realmente acabou acontecendo. Só que depois de três meses que o disco saiu houve um problema interno lá deles.. Queriam que o nome da banda fosse mudado por razões que sei lá... Era imoral, indecente, ia dificultar a penetração na mídia etc. ... E se fossemos bons cordeiros, bons cabritos, em compensação eles dariam para a gente o sistema de mídia da Globo inteira. Não aceitamos essas pressões e pedimos as contas. Na época foi duro pra caramba. Custou vários almoços de hamhúrgueres. vários jantares de cheese-salada.
Karl - Morada na Boca do Lixo.
Marcelo - Só que hoje. quatro anos depois. a gente olha para trás e vê que foi a decisão mais acertada que poderíamos ter tomado. Porque durante este tempo aprendemos que nossa decisão é mais importante até que a vontade de qualquer pessoa. Ficamos um ano e meio sem conseguir gravar, e o segundo LP veio pela RGE que. por mais paradoxal que pareça é do mesmo dono da Som Livre. E. quando ´´Joana D´Arc" virou hit de rádio e invadiu a tal da mídia e a banda vendeu lO0 mil LPs. fomos convidados para fazer Chacrinha... E com o mesmo nome. Porque aí a falsa moral caiu por terra. O que era indecente passou a ser sarcástico. Sabe, aquela mentalidade: ´´Esse nome é bom, é sarcástico, vende 100 mil cópias e a gente vai ganhar dinheiro".
Karl - E a coisa mais engraçada é que quando a RGE resolveu relançar o primeiro LP. que tinha sido encostado pela Som Livre, o disco veio com um selinho dizendo: "Incluindo ´Bete Morreu´". E essa música escandalizava todo mundo da gravadora por causa da letra violentaram Bete, espancaram Bete, ela nem se mexeu, Bete morreu".

BIZZ - Quais foram os indicadores que fizeram vocês sentir que a coisa ia acontecer, que vocês iam ser uma banda de sucesso?
Marcelo - Acho que foi quando "Joana D´Arc" se tomou um hit. Este foi o ponto, porque veiculou o Camisa nacionalmente.

BIZZ - E depois de "Joana D´Arc"?
Karl - Depois disso a gente resolveu adotar São Paulo.
Marcelo - Inclusive porque a gente sentiu que a linguagem do Camisa tinha muito mais a ver com uma cidade urbana. O drive de São Paulo contribuiu e o público também.

BIZZ - E por que São Paulo?
Karl - A gente saía de madrugada na av. São João, via aqueles anúncios de neon, aquela fumaça. Já estava todo mundo de saco cheio de menina com cabelo de Elba Ramalho, biquíni fio-dental de Ipanema, entende"? Uma coisa vulgar pra caramba. Chega a se tomar desagradável de tão vulgar que é. E hoje, um ano depois que estamos morando aqui, ninguém está pensando em sair para canto algum.
Marcelo - Somos baialistas agora.

BIZZ - Como?
Marcelo - Baianos que moram em São Paulo.

BIZZ - Falem um pouco do novo disco.
Marcelo - Viva ainda é o novo disco. Viva foi uma decisão da gente de gravar um disco para os fãs, talvez até como uma maneira de reconhecimento por eles terem colocado a gente onde estamos hoje. E ele é a cara do Camisa no palco, que é o nosso habitat natural, é onde o Camisa é. Adoramos estúdios, procuramos esmerilhar aqui dentro. Mas o Camisa é, indiscutivelmente, uma banda de palco, até pela participação do público, que é tão importante quanto a nossa. E isso está registrado nesse LP.

BIZZ - Mas tinha o fato de vocês estarem devendo, por contrato, um LP para a RGE.
Karl - Mas poderia ter sido um disco de estúdio!
Marcelo - E tinha chegado o momento de fazer um disco ao vivo Aliás, parece que depois que a gente fez um disco ao vivo estão saindo outros discos ao vivo também (risos).

BIZZ - Como por exemplo?
Marcelo - Eu tenho ouvido... Saiu RPM, Caetano...

BIZZ - E do novo, novo disco, este que vocês estão gravando aqui.
Marcelo - Estamos começando ainda. Inaugurando este estúdio.

BIZZ - Então falem das diferenças entre este e os outros LPs.
Karl - Está ligado à própria evolução dentro do nosso trabalho. Somos cinco, seis com o Petê (empresário). Trabalhamos há quase cinco anos juntos. E a integração da banda, a sonoridade das guitarras, as idéias... está tudo melhor. Não moramos mais na Boca do Lixo, não dividimos apartamento. Acho que as mudanças têm a ver muito com nossa mudança de vida.
Marcelo - Se você observar o primeiro LP, ele é um pau só do começo ao fim.
Karl - O segundo já vem com um melhor tratamento de estúdio.
Marcelo - Além da diversificação rítmica. Tem reggae, rap, balada... O terceiro já é ao vivo. E esse novo disco é como eu falei: estamos começando agora e só temos as bases prontas.

BIZZ - Na época em que formaram a banda, vocês fizeram uma versão de "Negue", além de outras músicas que têm elementos da MPB. Como a MPB entrou no trabalho de vocês?
Karl - O objetivo de ´Negue" era dilacerar... O Marcelo queria conseguir ser mais dramático que Maria Bethânia cantando. E acho que ele conseguiu.
Marcelo - Se o Camisa tem um texto, vamos dizer, sério, como é o caso de "Metástase", ele também tem um lado super sacana. que é o lado de "Silvia", "Negue"... do deboche... Não somos cinco intelectuais tentando fazer som dos Smiths, Cure, U2, enfim, que tenha similar lá fora. O Camisa pode ser uma banda ótima ou uma porcaria de banda, mas ela tem características próprias. Não parece com absolutamente ninguém. Tem identidade. E, também, o Camisa sempre foi misturado. Aldo, por exemplo, gosta do U2. Gustavo de heavy metal, do Rush. -. Karl gosta de Pete Townshend, Lou Reed. . - Quer dizer, essa coisa de mesclar sonoridade sempre acompanhou a gente. E o fato de a MPB ter vindo misturado também está incluído nisso. E da admiração que todos nós temos por Raul Seixas. Tanto que nesse LP vamos fazer uma regravação de uma música dele.

BIZZ - Qual?
Karl - Não sabemos ainda. Tem duas ou três. Não decidimos.
Marcelo - Inclusive quando a gente leu na BIZZ, onde Raul dizia que ele não gostava de ninguém. só do Camisa de Vênus, porque era a única banda que não se permitia fazer esse joguinho das Globos da vida, ficamos super orgulhosos. O velho ídolo dizendo que nós somos os melhores.

BIZZ - Vocês disseram uma vez que o único rock brasileiro que prestava era o que vinha de Brasília e da Bahia.
Marcelo - Na verdade o lance era chamar atenção para o fato de que não só no Rio e São Paulo as coisas aconteciam. Essa linguagem que parece estar concentrada especificamente no Rio - linguagem para criança de 10 anos de idade. E uma brincadeira. Grupo de faixa etária entre 20 e 30 anos, às vezes até mais de 30. cantando musiquinha com letra de Menudo para garotinho de 10, 12 anos curtir. Mas. por outro lado, como o Camisa está sozinho, não estamos integrados a nenhum movimento de rock. nosso lance sempre foi à parte, cada um faça o que quiser. Já rasgamos nosso contracheque faz tempo! Raríssimas bandas eu paro para ouvir e dizer: gostei. Gosto de Replicantes. Acho que eles têm uma coisa de desenho animado do rock que eles passam e acho isso super legal. E do Capital Inicial. Os textos do Renato Russo eu gosto muito. Acho que o Legião não encontrou ainda a sonoridade deles. Mas acho que têm competência para encontrar. No primeiro disco a coisa ficou meio U2 agora está meio Smiths...
Gustavo - Gosto também do Clemente, dos Inocentes.
Marcelo - E do Lobão. Se o Raul é um gênio, Lobão é febril - 42" de febre o tempo todo. Nesse ponto acho até que a gente se identifica um pouco - no lance de não ser sócio de clube nenhum. Outro dia uma revista veio me convidar para fazer uma entrevista. Chamava HV. Éramos eu, Arnaldo, Renato Russo. Paulo Ricardo. Herbert Vianna... Liguei para lá. agradeci a lembrança do meu nome e disse: Primeiro. querida, eu não tenho saco para discutir constituinte do rock com ninguém!". Sim, porque juntar esse pessoal. você acha que é para o quê? "E. segundo", disse ainda. "eu já passei dos 30. Não faço parte da jovem-guarda!"

BIZZ - Em que ponto vocês acham que o público se identifica com vocês para que fizesse o Camisa estourar?
Marcelo - Acho que a honestidade que a gente passa na expressão, na postura. Acho que isso foi importante no Camisa e as pessoas ouviram, assimilaram e acreditaram. E pensaram: "Não importa que eles não apareçam toda semana no Chacrinha. Não importa que eles não apareçam no Fantástico toda hora. A gente acredita". É por aí.

BIZZ - Mas há bandas que têm essa característica de honestidade e não conseguiram tanto sucesso como vocês?
Marcelo - É talento!

BIZZ - Mas vocês atingem uma faixa que ainda está contaminada por deficiência educacional típica de um país subdesenvolvido, expressa, principalmente, em letras como "Silvia " e Bete Morreu - estupro, homem que pega no pau para bater na mulher e coisas do tipo?
Marcelo - Durante o show, que dura em média duas horas, rola praticamente o repertório inteiro do Camisa, sem distinção do sério, sacana.,. Mas existe um outro aspecto: as músicas do Camisa que atingiram maior execução de rádio não são as que têm unia conotação política, social etc... Agora, isso cabe aos programadores de rádio. Existe essa tendência da mídia em tocar o que parece ser mais engraçado ou o que tenha uma assimilação maior. Ninguém quer tocar no rádio, por exemplo. "Batalhões de Estranhos", que diz: "Observe e informe aos homens de uniforme. Eles chegam por via aérea, sentinelas de nossa miséria". Porque essa música fizemos na época da ditadura militar. Era muito mais interessante para a rádio, para não correr o risco de ficar visada por sei lá quem eles imaginam que possa estar observando... Então tocavam Joana D´Arc´´. Essa distinção é feita pela mídia. Para a gente tem os dois lados da coisa. E nunca nos preocupamos em dar ênfase àquele lado ou não.

BIZZ - O que vem a mente quando vocês ouvem a palavra política?
Gustavo -Cachorrada! Troca de interesses! Qual o político sério neste país? Não conheço nenhum. Vai nascer ainda.
Marcelo - O problema é que a face política do país é a mesma há décadas! Hoje o nosso presidente José Sarney se diz porta-voz de uma Nova República. Se nós não tivermos a memória muito curta, a gente vai ver que há dois anos este mesmo personagem era presidente do partido do governo, dos militares! E está muito engraçado. Um outdoor de Paulo Maluf metendo paranóia na cabeça da população: que precisa de segurança, que assassino tem de ir para campo de concentração. Quer dizer: isso é o quê´? É a paranóia de um povo subdesenvolvido culturalmente também. Então parece que a solução é a repressão, é a paranóia. é a porrada. Vai ter Rota rodando 24 horas por dia, todo mundo de metralhadora na mão. E essa é a base de uma campanha eleitoral para governador do maior Estado do país. E isso é tenebroso! Todo mundo sabe. O que aconteceu com o Abi-Ackel, pelo amor de Deus´? Contrabandista, provado. Ele está em cana? Está na detenção´?
Gustavo - E o próprio Figueiredo! Ele foi exilado´?
Marcelo - A saída de Figueiredo do poder foi dando uma banana para o povo. Esse é o nível político que se vê no país. E eu acho até que Maluf vai ganhar! Então, de repente. a gente tem de parar e dizer: "Cada povo tem o presidente. governo que merece". Mas, também. acho que a gente (povo) é muito ingênuo. Ingênuo demais.

Cabra cega

"Bad Life", PiL
Robério - É Madonna.
Marcelo - Banda do Exército... (depois que entra o vocal) Esse é bom pra caramba. Mr, John Lydon. E PiL é uma das melhores coisas que rolam por aí. Trocou a coroa de rei dos punks para se tornar um artista sem compromisso com ninguém a não ser com si próprio. É um karma da porra ser rei dos punks. É o melhor! Faço coleção de camisetas do PiL.

"Malandragem Dá um Tempo", Bezerra da Silva
Aldo - Bezerra da Silva.
Marcelo - Matou ,porque era batuqueiro de afoxé. E aquela história da coerência - ele é coerente com o que faz. Se existissem dois Bezerra da Silva não existiria Lulu Santos. Mora no morro e faz o que é de lá.
Gustavo - Seja o que for, nem pagando eu ouço. Não suporto.
Marcelo - Não vou comprar para levar para casa e ouvir. Saco é ter 30 anos e dizer que "lá em casa continua o mesmo problema", como fazem muitas bandas por ai... "Vou apertar mas não vou acender" é genial. Se só tivesse rock ia ser tão chato! A gente ia fazer samba, pagode.

"Windswept", Bryan Ferry
Marcelo - Isso é profundo (irônico).
Gustavo - Aí eu gosto. Não sei nem quem está cantando, mas gosto da música.
Karl - Não gosto disso.
Aldo - Lembra Bryan Ferry.
Marcelo – É Bryan Ferry mesmo. Não é um cara que me bata. Manolo Otero demais. Nota 1 .5 para ele.
Karl - Topete era com Elvis Presley.
Marcelo - Ele deveria trabalhar na Fiorucci em vez de ficar empatando o tempo com a gente.
Robério - Parece musiquinha erótica do La Licorne.
Marcelo - Pelo menos ele tem uma certa história do Roxy Music.

"Flores Astrais", RPM
Marcelo - É ao vivo, mas não é o Camisa.
Karl - Para mim é de estúdio, com palmas.
Robério - "Isso é uma gravação.
Marcelo - O RPM é uma boa banda tecno-pop. E a única no gênero no Brasil que tem um texto decente. Essa música era dos Secos e Molhados, se não me engano.
Karl - Era do João Ricardo.
Marcelo - Eles fazem bem o que se propõem a fazer. Esse disco não parece ao vivo.
Karl - Disco ao vivo gravado em Los Angeles!

"The Antichrist", Slayer
Gustavo - Gosto de rock progressivo
Marcelo - Pode ser Black Sabbath, Metallica, Quiet Riot... É heavy. Não tem muito o que falar disso - é heavy.

2 comentários:

  1. Só o fim foi a música mais tocada em 86?
    brincou né?
    além de nunca ter sido um grande sucesso,("eu não matei Joana Darc" foi o maior sucesso da banda)86 foi o ano do Rpm,e as rádios estavam dedicadas a eles.
    tanto é verdade que hoje em pleno 2012,o rpm tá com lotação esgotada nas principais casas de shows Brasil afora,a galera os transformou num clássico absoluto,colocando inclusive a música "ninfa" do recente cd "elektra",entre as 20 mais tocadas do pais,e isso em pleno reinado do sertanejo,além de estarem indicados ao Grammy latino d emelhor álbum de rock.
    agora se o camisa sair em turnê,será que vai ter lotação esgotada Brasil a fora e estar presente na midia como o rpm?
    até no Rodrigo Faro eles vão essa semana.
    isso mostra claramente que o tempo coloca a importancia do artista no seu devido lugar.
    camisa era legal,mas nunca foi protagonista.

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  2. "Só o fim" foi um sucesso estrondoso. Tocava o tempo todo no rádio. Lembro bem, eu estava lá ...

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