domingo, 5 de agosto de 2012

pussy riot, uma entrevista

Pussy Riot é uma banda punk feminista anônima russa com letras abertamente anti-Putin que se recusa a tocar em casas de show normais e tenta derrubar o governo. A banda foi formada setembro passado, depois que Putin anunciou que ia se candidatar novamente à presidência em março de 2012 — uma perspectiva assustadora já que pobreza, ataques terroristas, corrupção e perda de direitos civis têm sido as principais características do seu reinado no Kremlin.

Desde sua formação, o Pussy Riot virou manchete com uma série de shows ilegais num esquema de guerrilha, incluindo tocar “Revolt in Russia” na simbólica Praça Vermelha em janeiro deste ano. No final desse show elas foram presas por quebrar as rígidas leis russas a respeito de protestos ilegais, mas daquela vez todas as oito colegas de banda foram libertadas.

Infelizmente isso não durou muito. No dia 21 de fevereiro a banda fez um show na Catedral do Cristo Salvador em Moscou e foram presas por acusações do show anterior, logo antes da eleição de 3 de março na qual Putin retornou ao poder. Dessa vez nem todas foram liberadas: duas delas, Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alyokhin continuam sob custódia e deram início a uma greve de fome, afirmando que só vão parar quando retornarem para seus filhos. Todas elas podem pegar sete anos de prisão se forem consideradas culpadas.

Abaixo, uma entrevista concedida a Henry Langston no meio de fevereiro, dias antes da prisão, e publicada na revista eletrônica "Vice" (postagem original aqui).

VICE: O que inspirou vocês a começarem a banda?
Kot: A Pussy Riot entrou em ação no final de setembro de 2011, logo depois do Putin anunciar que planejava ser presidente novamente e governar a Rússia brutalmente por pelo menos mais 12 anos.
Serafima: Certo, foi aí que percebemos que esse país precisava de uma banda militante de street punk feminista que pudesse tocar nas ruas e praças de Moscou e mobilizar a energia pública contra os bandidos da junta Putinista, enriquecendo a oposição cultural e política com temas que são importantes para nós: gênero e direitos LGBT, problemas da conformidade masculina e a dominância dos machos em todas as áreas do discurso político.
VICE: Por que “Pussy Riot”?
Garadzha: Um órgão sexual feminino, que deveria apenas receber, de repente começa uma rebelião radical contra a ordem cultural que tenta constantemente defini-lo e mostrar qual é o seu lugar. Os sexistas têm certas ideias de como as mulheres devem se comportar, e Putin também tem alguns pensamentos sobre como os russos devem viver. Lutar contra tudo isso — isso é a Pussy Riot.
Kot: Você não devia ter respondido essa pergunta, Garadzha, porque geralmente não fazemos isso. Quando os policiais e os agentes da FSB nos interrogam e perguntam: “O que essas letras em inglês no seu banner significam” (colocamos um banner durante alguns dos nossos shows ilegais e dificilmente qualquer um desses babacas sabe falar qualquer língua estrangeira) — então a gente geralmente responde “Bom, senhor policial, não é nada de especial, essas palavras significam 'Pussycat rebellion'”. Mas, claro, é uma mentira brutal. Na Rússia você nunca deve dizer a verdade para um policial ou agente do regime Putinista.
Quais são suas influências musicais?
Kot: Algumas de nós se inspiram nas bandas clássicas de punk oi! do começo dos anos 80; The Angelic Upstarts, Cockney Rejects, Sham 69 e outras — todas essas bandas tem uma energia musical e social incrível, seu som rompeu a atmosfera de sua década, espalhando confusão por toda parte. A vibração deles realmente capta a essência do punk, que é o protesto agressivo.
Garadzha: Muito do crédito vai para o Bikini Kill e as bandas da cena Riot Grrrl — de certa maneira nós desenvolvemos o que elas fizeram nos anos 90, embora o contexto seja absolutamente diferente, e com uma postura exageradamente política, o que leva todos os nossos shows a serem ilegais — nunca fizemos um show num clube ou em qualquer espaço especial para música. Esse é um princípio importante para nós.
Quais são suas principais influências feministas?
Serafima: Em teoria feminista seria De Beauvoir com O Segundo Sexo, Dvorkin, Pankhurst com suas corajosas ações sufragistas, Firestone com suas teorias de reprodução loucas, Millett, o pensamento nômade de Braidotti e Judith Butler.
Garadzha: E como foi dito antes, em termos de cenas musicais feministas, ativismo e construção de comunidade, nós damos o crédito ao movimento Riot Grrrl.
A Pussy Riot está procurando de novos membros?
Garadzha :Sempre! A Pussy Riot precisa continuar se expandindo. Essa é uma das razões porque escolhemos usar sempre balaclavas — novos membros podem se juntar ao grupo e realmente não importa quem vai fazer parte do próximo show — podem ser três de nós ou oito, como nosso último show na Praça Vermelha, ou até 15. A Pussy Riot é um corpo pulsante em crescimento.
Tyurya: Você conhece alguém que queira vir para Moscou, tocar em concertos ilegais e nos ajudar a lutar contra Putin e os russos chauvinistas? Ou talvez as pessoas possam começar suas Pussy Riots locais, se acharem que a Rússia é muito distante e muito gelada.
Melhor eu arranjar uma balaclava neon pra mim também. Vocês se preocupam com a perseguição da polícia ou do Estado conforme vocês ficam mais e mais conhecidas?
Kot: Não temos nada com que nos preocupar, porque se os bandidos repressivos Putinistas jogarem uma de nós na cadeia, cinco, dez, 15 garotas mais vão colocar balaclavas coloridas e continuar a luta contra seus símbolos de poder.
Serafima: E hoje, com dezenas de milhares de pessoas tomando as ruas rotineiramente, o estado vai pensar duas vezes antes de tentar fabricar um caso criminal para nos tirar de circulação. Temos muitos fãs nas massas de protesto russas.
Quais são as razões por trás da decisão de se manter anônimas?
Serafima: Nosso objetivo é nos afastar das personalidades em direção aos símbolos de protesto puro.
Tyurya:Trocamos frequentemente de nomes, balaclavas, vestido e papéis dentro do grupo. Alguém sai, um novo membro se junta ao grupo e a escalação em cada apresentação de guerrilha da Pussy Riot pode ser inteiramente diferente.
Como vocês vêm a Rússia sob um novo governo liderado por Putin?
Serafima: Como você via a Líbia sob o governo de Gaddafi? Como você vê a Coreia do Norte sob o governo de Kim Jong-un, o “brilhante camarada” de 28 anos? Para nós, a Rússia sob o governo de Putin, aka “o Líder Nacional”, não é diferente.
Tyurya: Como uma ditadura de Terceiro Mundo com todas as suas características divertidas e cheias de classe: uma horrível economia baseada em recursos naturais, níveis inacreditáveis de corrupção, ausência de tribunais independentes e um sistema político disfuncional. E sob o governo de Putin é bom se preparar para mais uma década de sexismo brutal e conformismo com as políticas oficiais do governo.
O que vocês acham sobre os outros grupos antigovernamentais, como o Voina e o Femen da Ucrânia?
Tyurya: O Voina é legal, acompanhamos eles de perto, gostamos mais do seu período de 2007-2008, quando eles fizeram ações simbólicas muito loucas como o "Fuck for the heir Puppy Bear" na véspera das eleições presidenciais de 2008. Eles desenharam uma caveira com os ossos cruzados com laser verde no parlamento russo e fizeram um enforcamento cerimonial de homossexuais e imigrantes ilegais como um presente para o prefeito de Moscou, foram coisas poderosas.
Serafima: Nossa opinião sobre o Femen é uma história complicada. Por um lado elas exploram uma retórica muito masculina e sexista em seus protestos — os homens querem ver garotas nuas agressivas sendo atacadas por policiais. Por outro lado, sua energia e capacidade de continuar em frente não importa o que aconteça é incrível e inspiradora: um dia elas estão na Suíça escalando a cerca do Fórum Econômico Mundial e no outro já estão em Moscou atacando o quartel general da maior produtora de gás natural russa. E mesmo depois de terem sido torturadas e humilhadas pelos agentes da KGB na Bielorrússia, elas prometeram continuar lutando ainda mais. Energia é uma coisa muito importante nos dias de hoje; grupos de rua na Europa e na América frequentemente carecem de força, mas essas garotas realmente têm isso.
Qual foi o show favorito de vocês?
Garadzha: Fora o da Praça Vermelha, todas nós realmente gostamos do nosso show no telhado de um dos prédios do Centro de Detenção de Moscou, onde as pessoas foram presas depois dos protestos pós-eleição do dia 5 de dezembro. Os presos políticos podiam nos ver de dentro das celas e gritavam e aplaudiam enquanto a gente tocava “Death to Prisons — Freedom to Protest”. Os guardas e os funcionários da prisão ficaram correndo de um lado pro outro porque não sabiam como tirar a gente imediatamente daquele telhado. Eles ficaram tão assustados que ordenaram um trancamento total imediato — acho que eles pensaram que ia começar um cerco ao Centro de Detenção depois que a gente terminasse de tocar. Foi muito legal.
Vocês têm planos de armar shows nas aparições públicas do Medyved ou do Putin?
Tyurya: Putin tem muito medo de fazer qualquer aparição realmente pública — todas as suas “reuniões públicas” são fortemente vigiadas, com partidários do Kremlin gritando e mandando beijos. Mas um dia vamos pegá-lo desprevenido, com certeza.
Serafima: Então é melhor ele dar o fora antes da gente conseguir por as mãos nele. Que o Putin nunca queira encontrar a Pussy Riot cara a cara!

O correspondente Henry Langston esteve presente também em protestos que ocorreram em frente à embaixada russa em Londres e colheu os seguintes depoimentos:


VICE: E aí, gente? Tudo bem com vocês hoje?
Mineka: Pessoalmente, estou aqui hoje porque estou cansada dessa merda toda que tenho ouvido sobre a Rússia ultimamente, como a legislação contra os gays. Isso é simplesmente inaceitável hoje em dia. Odeio a Rússia com paixão. Eu mesma sou de um país pós-soviético e minha bisavó foi mandada para o gulag por esses filhos da puta. Eles são meus inimigos históricos e não vou deixar eles saírem dessa facilmente.
E vocês dois? Eles também mandaram seus parentes para o gulag?
Jason: Estou aqui pra expressar minha solidariedade para com as minhas irmãs do punk rock.
Angela: Estou aqui porque sou contra a censura, especialmente ligada à religião, sexo e violência. Tem que haver liberdade de expressão.
Que mensagem de apoio vocês gostariam de mandar para as meninas do Pussy Riot?
Mineka: Não parem nunca, seja lá o que acontecer. Elas vão sair da cadeia em breve, e espero que em 2012 não saia nenhuma sentença de prisão perpétua na Rússia com relação a isso. Os garotos e garotas russos precisam sair às ruas com suas balaclavas. Não deixem esses desgraçados calarem vocês!
Angela: Não peguem leve!
Jason: O mundo está vendo e estamos do lado de vocês! Foda-se o Putin!
Esse julgamento é o fim do Pussy Riot?
Mineka: É só o começo. Todo mundo vai ter uma balaclava no armário de agora em diante. Isso vai ser parte de uma revolução na moda, vocês vão ver o Galliano usando uma dessas nas passarelas muito em breve.
Jason: Elas são como a Hidra — você corta uma cabeça e surgem outras duas. Tudo o que precisa é uma pessoa cortando dois buracos numa touca e outra Pussy Riot nasce.
Vocês acham que as balaclavas são uma boa declaração de moda? Parece que não dá mais para usar uma dessas sem fazer algum tipo de declaração política, o que é meio que uma pena, porque quando eu era criança elas eram apenas outro aliado valioso e inócuo na batalha contra os elementos.
Mineka: Sim, acho que as balaclavas neon são um símbolo incrível, muito melhor que as máscaras do V de Vingança. Isso ficou muito batido, precisamos de um novo uniforme.
Depois de 30 minutos de conversa furiosa, que inadvertidamente atraiu olhares curiosos dos pedestres (uma boa porcentagem deles acharam que alguém estava distribuindo “Free Pussy”), um produtor chamado Mike Lerner apareceu diretamente de Moscou, onde esteve filmando o julgamento.
Como foi lá no tribunal, Mike?
Mike Lerner: Antes do julgamento, cerca de 30 manifestantes que foram até lá mostrar apoio ao Pussy Riot acabaram presos, juntamente com manifestantes cristãos que foram até lá jogar ovos no marido de uma das meninas. Eles não tiveram nem a chance de gritar ou dançar, a polícia foi pra cima deles logo de cara, foi uma coisa chocante. Eles prenderam até um cara que estava simplesmente do lado de fora do tribunal segurando um balão. Eu nunca tinha estado numa corte russa antes, mas é uma coisa brutal — eles têm uma jaula no meio da sala e as rés foram trazidas por uns oito guardas armados. Parecia que eles estava trazendo o Osama bin Laden — foi um exagero.
Alguns dias depois disso, Mike e sua equipe filmaram um comício pró-cristão na Catedral do Cristo Salvador, onde a banda tocou seu Punk Prayer. Cerca de 10 mil pessoas compareceram para ouvir o discurso do Patriarca Kirill sobre “o ataque generalizado à igreja”.
O que o Patriarca Kirill disse no comício?
Mike: Ele não falou diretamente sobre o Pussy Riot, mas se referiu a distúrbios recentes e à mácula na igreja. Algumas pessoas trouxeram imagens avariadas de outras igrejas, como se isso tivesse alguma relação. É verdade que muitas igrejas foram vandalizadas recentemente, mas provavelmente umas 10 igrejas são vandalizadas toda semana, só que agora as pessoas estão prestando atenção. Eles querem fazer parecer que a igreja está sob um ataque mais vasto, mas não tenho muita certeza disso.
As Pussy Riot não foram formalmente acusadas nesse comparecimento recente ao tribunal. Quando elas finalmente ficarão frente a frente com um juiz?
Elas irão a julgamento em junho, então podem já ser sentenciadas ou ter que esperar mais dois meses — isso pode se arrastar por anos. A equipe jurídica delas está pessimista; o juiz disse que a banda incita o ódio à religião, e por isso elas não podem sair sob fiança. E pior, acontece que o juiz é um dos favoritos do Putin.
Mas vocês vão continuar lutando?
Claro que sim!


#


Nenhum comentário:

Postar um comentário