quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Edson Luís, uma entrevista

Por experiência própria, digo que as fitas cassete eram um problemão - enrolavam, oxidavam, acumulavam mofo e perdiam qualidade com rapidez. Mas nos anos 80 e parte dos 90, eram uma maneira ótima de disseminar a música e, para as bandas independentes, de se fazer ouvir sem desembolsar fortunas. Ainda assim, se para a maioria as fitinhas hoje não passam de memórias inaudíveis da adolescência, para Edson Luis de Souza elas são preciosidades dignas de ganharem a eternidade. Por isso, como cultuador do underground brasileiro desde a tenra idade - e do qual também fez parte como vocalista da lendária banda joinvilense The Power of the Bira -, ele tem se ocupado em tirar do limbo sua gigantesca coleção de cassetes digitalizando trabalhos de duas, três décadas atrás e postando-as nos blogs Joinroll (apenas com bandas de Joinville e região) e Demo-tape Brasil (dedicado a gravações de todo o País). Direto de Jaraguá, onde mora, Edson falou sobre a sua missão apaixonada.

Desde quando você coleciona fitas? Isso começou com o seu envolvimento com o underground e o Curupira?
Edson Luis de Souza
- Começou em 1987, cinco anos antes de o Curupira abrir. Esse conceito de demo-tape era muito vago ainda, pois as primeiras fitas não tinham capas. Era tudo escrito a caneta. Lembro que a turma que tínhamos no bairro Glória juntou grana para comprar uma demo do Tensão Superficial. Imagina o nível da dureza do pessoal: juntar dinheiro para comprar uma fita. É a mesma fita que hoje pode ser baixada na internet e que ajudou o pessoal a se interessar novamente pela banda. A fita cassete do show da banda Cólera no extinto Baturité, em 1987, é outro exemplo. A converti cerca de 15 anos atrás e hoje ela faz parte da discografia da banda. Pode verificar na Wikipedia.

Você tem ideia de quantos cassetes tem? Ainda os escuta?
Edson
- Tenho cerca de mil fitas demo. Se considerar que em muitas delas há mais de uma gravação por fita, deve dar em torno de umas 1.400. No blog, na semana passda, chegamos a 110 demos digitalizadas, então, nesse ritmo, tem material para mais dez anos de blog sem repetir nada. Na realidade, eu não ouço mais, e explicação tem a ver com o equipamento. Esses tape-decks (reprodutores) estão virando verdadeiras raridades. O que eu tenho hoje uso para realizar as conversões e não sobra muito tempo para diversão.

Em torno de 90% das minhas fitas ficaram imprestáveis com o tempo. Como você fez pra preservar as suas?
Edson
- As minhas também sofreram com tempo, só que em níveis diferentes. Nesses dois anos que estou fazendo esses trabalhos de conversão seguidamente, reparei que certas marcas e tipos de fitas (normal, cromo, etc) têm diferentes níveis de deterioração. Como essas fitas precisavam ser baratas, as bandas procuravam o menor custo possível da mídia (a fita em si). Fita barata é o mesmo que fita de baixa qualidade. São essas que me causam maiores problemas atualmente, pois sujam o cabeçote de leitura constantemente e prejudicam a qualidade da reprodução. Daí só o cotonete com álcool resolve. Essas fitas que tenho ficavam na nossa loja, a Abrigo Nuclear. Quando a loja fechou, em 2002, eu as trouxe para casa e guardei dentro do baú de uma estante. Ele tem portas que evitam o pó e mantem um certo controle da umidade. Cuidei também para manter televisões e auto-falantes longe, já que os campos magnéticos são fatais para as fitas.

Parece que os cassetes estão ficando cult, tipo os LPs...
Edson
- Formatos são formatos. Hoje existe o mp3 como formato supremo. Até o CD já caiu em desuso, e já faz tempo. Ninguém precisa ficar refém de formatos. Sou contra isso. Gosto das artes das capas, das imagens. Quando iniciei o blog, já usei isso como regra. As artes teriam que ser reproduzidas também. Tenho também todos os meus discos de vinil e nunca vou me livrar deles. As capas dos discos de vinil são fantásticas. As pessoas costumam abandonar esses formatos com o advento de novas tecnologias. A minha visão é agregar, e não substituir. Esse retorno forte do vinil é uma resposta à mentira de que o CD seria eterno. Foi uma grande mentira da indústria fonográfica nos anos 90. Tenho CDs que não tocam mais devido à oxidação. Agora, o que me preocupa mesmo com esses revivais de cassete e vinil são os equipamentos, cada vez mais caros e raros.

Como surgiu a ideia do blog Demo-tapes Brasil?
Edson
- Eu já fazia algumas conversões para uso particular. Conheço bem o processo. Comecei a fazer o Joinroll em maio de 2010. Como as minhas fitas das bandas da região estavam misturadas com as das bandas de outros Estados, essa seleção reviveu lembranças boas de outras grandes gravações presentes nessa minha coleção. Comecei a procurar algumas específicas, de grande interesse meu em ouvir novamente, e fui me frustrando porque não achava nada. Aconteceu com Concreteness (SP), com Náuplio (BH), Waterball (SP) e por aí. No bom e velho estilo "do it yourself", pensei: 'Se ninguém fez, faça você mesmo!'. Ai aos poucos, com grande dose de paciência as conversões foram saindo e o boca-a-boca da internet foi aumentando. O blog está tendo boa repercussão, principalmente no Facebook. As pessoas com interesses comuns, principalmente com a nossa idade (30 anos pra cima), ajudam a divulgar os links e podem novamente a ouvir esses grandes trabalhos que estavam “aprisionados” no mundo analógico. Estou tendo também um cuidado em não me prender muito a estilos. O blog está bem eclético. Tem de tudo para todos os gostos.

Você continua recebendo - ou procurando - material nesse formato?
Edson - Recebo muitas doações de pessoas com o senso da importância de se preservar essas gravações. Fico muito feliz quando alguém me procura oferecendo suas fitas. A maioria dez que não tem mais onde ouvir, mas não gostaria de jogá-las fora. Sabendo do trabalho responsável e histórico que estou fazendo, eles ficam felizes ao saber que as fitas estão em boas mãos. Se você tem fitas em casa e não usa mais, me procure. Por favor, não jogue fora!!

Por que esse período dos anos 80 e 90?
Edson -
Foi o período mais fértil para o formato no Brasil. Foi quando os equipamentos começaram a ficar mais acessíveis e realizar gravações deixou de ser um luxo. Claro que em diferentes níveis. As bandas que tinham dinheiro alugavam um estúdio profissional e as que não tinham juntavam equipamentos com os amigos, alugavam uma mesa de som e faziam gravações caseiras. Na virada do século, os gravadores de CD se popularizaram e ficou mais viável lançar as gravações em CD. Naturalmente, o formato da fita cassete caiu em desuso dos anos 2000 para cá.

Alguém de banda das antigas procurou vc por causa do blog?
Edson
- Sim, direto! Acho incrível nem as bandas terem suas gravações. É a sua história! O que você vai deixar para as próximas gerações? Não é viver do passado, mas compreender sua importância. Isso tem que ser disponibilizado! São as origens do heavy metal nacional, do punk/hardcore, do psychobilly. Essas origens, antes até dos discos, são os cassetes que as bandas gravavam para mostrar suas músicas para os selos independentes, para as gravadoras. Essa visão me fez digitalizar todo o material que tinha de minha antiga banda, The Power of the Bira, e também fazer um site com esse material. Vi que fui muito relaxado com a história da banda. Critiquei bandas que não davam importância a isso e estava fazendo o mesmo. Incoerente. Espero um “lugar no céu” depois dessa.

Você teve alguma surpresa durante esse garimpo por causa do blog?
Edson -
Sim, a cada semana acho algumas preciosidades. A mais atual é uma gravação da banda Dead Fish, com data desconhecida, quando a banda só cantava em inglês. É inédita e antiga, talvez anterior ao primeiro disco da banda. Achei também uma demo da mineira Pato Fu. Está sem capa, então, ainda estou decidindo se vou lançar assim mesmo. Não gostaria. Essas gravações normalmente vêm em lados b das fitas e muitas vezes nem têm citações. Só vou descobrir se tocar a fita inteira. É o bom desse meu trabalho.

Tem muita coisa ainda pra digitalizar e postar?
Edson
- Em casa tem bastante, mais de mil demos para digitalizar, fora as doações, que não param de chegar. Como citei acima, tem material para uns dez anos de trabalho ainda. Em vídeo, tem muito material também. Temos todo o festival Juntatribo 2, que aconteceu em 1994, em Campinas, com shows completos de Planet Hemp, Oz, Garage Fuzz, Loop-B, Pinheads, Killing Chainsaw, Relespública, Concreteness, etc. Temos também vários shows realizados na região, principalmente nos primórdios do Curupira Rock Club. Aí entram bandas de Santa Catarina e de outros Estados.

por Rubens Herbst

orelhada 

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