quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

ANGOLA DEATH METAL

O Xido conheceu o casal completamente sem querer quando ele estava filmando um documentário sobre trabalhadores chineses de ferrovias. Em um café, um cara com dreads curtos e uma camisa Oxford azul o abordou. Eles conversaram. E antes que Xido pudesse  perceber, estava sendo levado para um show de death metal de um homem só, abastecido por um gerador e iluminada pelos faróis de um caminhão. Assim, ele achou seu próximo projeto. Eu falei com ele no intervalo entre a mostra de documentários de Copenhagen, CPH:DOX, e partida dele para Angola, para a première do filme.

Noisey: Oi Jeremy. A cidade de Huambo parece destruída no seu filme. Em relação aos prédios, tem ainda alguma coisa que vela a pena ser salva?
Jeremy: Grande parte dos projetos de reconstrução estão acontecendo em Luanda, onde estão transformando-a em alguma coisa parecida com Miami Beach. Huambo foi a cidade que mais sofreu, mas não teve o mesmo investimento. Agora mesmo, muitos prédios portugueses estão começando a ser reconstruídos. Mas foi uma merda. É uma pena, porque costumava ser absolutamente lindo.

Ainda existem descendentes de ex-colonialistas brancos em Angola?
Com certeza. Existem muitos angolanos brancos. Também há um monte de portugueses agora. Inclusive, o país desde 2008 tem sido um centro para imigração interna: se você quer ir embora e fazer uma grana em Portugal, o sonho é ir para Angola e trabalhar em uma mineradora ou construtora. Aliás, o que me fez me interessar foi porque eu fui comissionado para criar uma peça para um grande teatro em Lisboa e eu conheci uma angolana lá. Perguntei inocentemente se ela iria ficar por Portugal ou preferiria ir para outro lugar da Europa depois de terminar seus estudos e ela me olhou como se eu fosse insano e disse: “A Europa está morta. O futuro é Angola.” Existe muita riqueza em potencial por lá.

Como é o relacionamento deles com a internet? Imagino que isso pavimentou o caminho para a existência da cena de death metal.
A internet definitivamente tornou possível a cena. Isso permitiu que eles aprendessem que existem outras pessoas no mundo, em outras cidades, que estão pensando da mesma forma que eles. Um dos maiores efeitos da guerra foi a fragmentação da comunicação dentro do país. Antes da guerra você podia dirigir uma tarde inteira de Benguela para Luanda, mas no final da guerra isso normalmente levava dois dias. No interior do país os fios foram destruídos. Na costa, os fios de fibra ótica no oceano ainda estão lá para fornecer internet. Não dá para colocar cabos no interior do país porque ele está recheado de minas terrestres. Você pode explodir. E também em áreas muito pobres, as pessoas começariam a cavar para tirar os cabos, pensando que existem cobre neles para vender.

Então qual foi a solução?
A única coisa que funcionou foi quando tinha a internet por satélite –todo mundo comprou uma antena móvel para conectar no computador. E isso fez toda a diferença. É um país onde até hoje em dia é muito complicado mandar uma carta para alguém, porque os endereços não existem mais. Mas todo mundo tem um endereço de e-mail. Todo mundo está no Facebook. É assim que se acha alguém lá. Isso permite que todo mundo organize shows e criem uma comunidade. É absolutamente importante para a cena de rock extremo.

Seria um bom ponto mencionar o risco geral do filme Death Metal in Angola se parecer um pouco com o Heavy Metal in Baghdad?
Sim, mas apenas no marketing existe esse problema em potencial: música inesperada em um lugar inesperado. Super exótico. Mas eu estava apenas interessado em contar a história desses caras. E por isso eu senti que essa música poderia aguentar as histórias que eles tinham para contar sobre a vida e as coisas que viram. Em um contexto nórdico, todas as letras são fantasmagóricas. Fantasiosas, na verdade. Mas para esses caras, por causa das coisas que passaram, aliviar os extremos da dor que entram no metal extremo em um contexto angolano é quase jornalístico. É quase uma reportagem.

E é claro que as melhores coisas nem giram em torno necessariamente do metal. É só uma visão de pessoas tentando reconstruir qualquer tipo de cultura em um lugar onde a própria cultura foi erradicada.
O que realmente mudou tudo para mim foi conhecer a Sonia que é dona do orfanato. Perceber que é ótimo pegar fragmentos de história e começar do zero a criar uma história: uma história deles imaginando que tipo de cidade que eles vão construir pelos próximos 20 ou 30 anos. Isso tem vários paralelos com Detroit, de onde eu sou. Ambas cidades foram dizimadas. E agora estão tentando ser reconstruídas. Eles estão olhando em volta, pensando a longo prazo. Eles estão dizendo: onde estaremos como sociedade daqui a 20 anos?

Você já esteve antes na África?
Não, nunca estive. Como eu disse, cresci em Detroit e para todo mundo da minha vizinhança, inclusive eu mesmo, a coisa toda de voltar para a África era algo grande para a gente – realmente não acho que eu era ciente do fato que era branco naquela idade... mas eu nunca tive a oportunidade. Então, felizmente, Angola foi a minha primeira chance.

No filme Last Train to Zona Verde, o Paul Theroux fala como grande parte dos americanos negros –os que são descendentes de escravos- são originários de Angola, justamente porque lá era o verdadeiro coração do tráfico de escravos. Você diria que isso é verdade?
Certamente. Cinquenta por cento de todos os escravos mandados para o Brasil eram de Angola. E 25% desses escravos que foram para os Estados Unidos também eram de Angola. Uma das maiores prisões dos Estados Unidos é chamada de “A Fazenda”. É gigante e coloquialmente é chamada também de “Angola”. É uma parte enorme da cultura.

Agora você está usando o Rockethub para custear o projeto de levar as bandas do Death Metal From Angola em turnê para as cidades que antes faziam parte do cinturão de ferro dos Estados Unidos –Detroit, Cleveland, Baltimore e Gary. Eu não tenho muita certeza se eu vi alguma conexão.
A conexão é tudo que tem a ver com Detroit. Quando estava em Angola, me impressionei com as semelhanças visuais entre o lugar e Detroit. Lembrou muito a vizinhança que eu cresci. Cresci com muitos tiroteios. Não cresci em uma zona de guerra. Mas o que eu consigo tirar da cena angolana é a sua resiliência. A habilidade de se desviar das adversidades. Por isso nós nos juntamos com a Associação Fulbright para ir para os lugares nos Estados Unidos que mais sofreram com a desindustrialização. Nós devemos mostrar o filme como um ponto de partida sobre como você pode começar a falar sobre reconstruir uma comunidade.

Acredito que o problema com o hip-hop é que ele se tornou efetivamente a linguagem do mainstream dos EUA. Então se você quer falar sobre a música das classes baixas e dos párias, o metal ainda representa isso.
É e sempre será. É realmente fascinante para mim, porque eu cresci não gostando desse estilo, pensando que o metal era o que a molecada branca dos subúrbios curtiam. Mas a medida que eu fui me envolvendo cada vez mais no projeto, mais eu comecei a entender. É extremamente classe operária.  E existe uma ética da técnica. Então há uma ambição no centro disso: você precisa ser muito bom para tocar metal. Você não precisa ser tão bom para formar uma banda punk. Tem também a coisa de lá em termos do aprendizado que você deve passar, o que é muito importante no contexto da Angola: algumas dessas pessoas que estão tocando essa música por aí são uma das mais inteligentes que eu já conheci.

por Gavin Haynes

http://www.deathmetalangola.org/

Rock Made In Angola

noisey

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