domingo, 8 de junho de 2014

40 Anos de "gita"

Qual o maior disco do pop-rock brasileiro? Venho pensando bastante nessa questão há uns três anos, quando comecei a trabalhar num livro sobre a explosão do pop-rock nacional nos anos 70. O livro sai em agosto. Depois de ouvir e reouvir dezenas e dezenas de LPs, descobrindo pérolas que não conhecia e redescobrindo discos que não ouvia há muito tempo, continuo voltando a “Gita” (1974), de Raul Seixas e Paulo Coelho. É inacreditável que essa obra-prima tenha sido lançada há 40 anos. Parece ter sido gravada ontem.

O LP estabeleceu um padrão de qualidade – de composição, ecletismo musical, produção, letras – que ninguém no pop brasileiro conseguiu superar. Toda vez que ouço alguém falando de como o manguebeat  renovou a música brasileira, promovendo a mistura de guitarras e ritmos nordestinos, só consigo pensar numa coisa: esse pessoal nunca ouviu Raul Seixas? Raulzito e Dom Paulete já haviam mostrado esse caminho 20 anos antes de Chico Science.

Como definir “Gita”? Rock? Forró? Repente? Brega? É tudo isso ao mesmo tempo. Tem rockabilly (“Super Heróis”), balada caipira (“Medo da Chuva”), repente (“As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”), folk sinfônico (“Água Viva”), swing-jazz de boate (“Moleque Maravilhoso”) e bolero (“Sessão das Dez”). E isso era só o lado A.

O lado B era ainda mais embasbacante: começava com o hino “Sociedade Alternativa”, tinha violas caipiras melancólicas em “O Trem das Sete”, country-blues à Byrds com “S.O.S.”,  piano e violinos em “Prelúdio”, metais de soul em “Loteria de Babilônia” e, pra encerrar, uma orquestra de 62 músicos executando o momento sublime do pop brasileiro: “Gita”.

É inacreditável pensar que um disco tão sofisticado – produção de Mazolla, arranjos de Miguel Cirdas – e lançado pela poderosa Philips de André Midani, fosse, na verdade, uma carta de amor ao bruxo Aleister Crowley, o “homem mais temido do mundo” e criador da filosofia de Thelema. No ano – 1974 - em que mais discos brasileiros foram censurados, Raul e Paulo Coelho cometeram um LP transgressor, em que celebravam o homem que defendia o amor livre, as drogas e a liberdade absoluta.

Várias músicas do LP se tornaram clássicos do repertório de Raul e estão em coletâneas. Mas é preciso ouvir o disco inteiro e na ordem, para captar toda sua genialidade. Até as músicas que parecem mais calmas e “inofensivas” são uma paulada. A lânguida “Trem das Sete”, por exemplo, fala de um trenzinho que “vem trazendo de longe as cinzas do Velho Aeon”. E qualquer um que já tenha lido Crowley sabe que ele profetizou que seu reino seria o “Novo Aeon”, a era de Thelema.
“Loteria de Babilônia”, cujo título homenageava o escritor favorito de Paulo Coelho, Jorge Luis Borges, era uma espécie de biografia musicada de Crowley, contando passagens da vida do bruxo. E “Sociedade Alternativa” não poderia ser mais explícita em sua celebração a Crowley.

Faça um favor a você mesmo: pegue “Gita” na estante e ouça de novo, da primeira à última faixa. Preste atenção nas letras, nos arranjos e na qualidade da produção, e responda: alguém já fez um disco melhor que esse no Brasil?

por André Barcinsky

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