domingo, 20 de julho de 2014

"My Bloody roots", de Max Cavalera

“Desde a música “kaiowas”, em “Chaos AD”, em 1993, eu vinha me perguntando se seria possível entrar na selva e conhecer os índios. Eles possuem uma história riquíssima e nenhuma banda de rock tinha tentado fazer algo parecido antes. Mas seria uma empreitada perigosa: eles matam os brancos e estão sempre em guerra com os fazendeiros da região.”

O trecho acima ilustra bem o conteúdo de “My Bloody Roots”, autobiografia de Max Cavalera lançada recentemente no Brasil e disponível nas melhores livrarias: impreciso, exagerado, mas sempre intenso e apaixonado. Ao ler o livro você se imagina sentado na mesa de um bar ouvindo as histórias de vida do vocalista e guitarrista do Soulfly e do Cavalera Conspiracy, ex-Sepultura e Nailbomb. A linguagem é absolutamente informal e não existe nem mesmo uma preocupação maior com a precisão das informações no processo de revisão. Outro exemplo: ao comentar o documentário “Ruído das Minas”, no qual o Sepultura é acusado por alguns de seus pares de boicotar a cena local, Max nem se dá ao trabalho de dizer o nome correto do filme, referindo-se ao mesmo como “Metal de Belô nos primórdios” ou algo do tipo.


Não é grande literatura, evidentemente, portanto é recomendado apenas aos fãs e demais aficcionados pelo estilo. Mas mesmo estes sentirão falta de um maior aprofundamento nos detalhes de determinados fatos e acontecimentos. Tudo soa meio apressado, atropelado. Sentirão falta, também, da versão do “outro lado” em passagens como a que fala sobre o assassinato do filho de Gloria e a separação do Sepultura em 1996 - neste caso não há muito a ser feito, já que se trata de uma autobiografia. Na verdade muita coisa já foi dita sobre o assunto, mas ninguém, que eu saiba, rebateu a acusação - grave, a meu ver - de que alguém teria ligado da parte da produção da banda se passando por uma das filhas de Gloria e irmã de Dana para o necrotério onde seu corpo esperava pelo reconhecimento da mãe para que o mesmo agilizasse os procedimentos, dando a impressão de que o resto da banda gostaria, nas palavras de Gloria, esposa de Max e empresária do Sepultura na época, que eles jogassem seu filho às pressas num buraco e retornassem imediatamente aos palcos. Talvez porque ninguém nunca tenha assumido a autoria do tal telefonema. A principal suspeita, da parte de Max, recai sobre Monika Bass Cavalera, então esposa de Iggor, pela qual o autor nutre um ódio manifesto, ao ponto de chama-la de “piranha” e “acusá-la” de ter dado em cima dele – quando eu li sobre isso na imprensa entendi que tinha acontecido enquanto ela ainda estava com Iggor, mas no livro ele deixa claro que foi antes. Sendo assim, a “acusação” perde totalmente o sentido e na verdade denuncia o rancor nela embutido - além de um ranço machista lamentável, evidentemente. O fato é que, segundo Max, ela sempre invejou Gloria e, não por acaso, assumiu seu lugar logo após a separação ...

Picuinhas e exageros à parte, é deliciosa a leitura – para os fãs, repito. Muito bom conhecer finalmente os detalhes da infância dos dois – Iggor é presença constante na narrativa, como não poderia deixar de ser. O impacto da morte do pai sobre seu comportamento – Max se afundou nas drogas e Iggor se tornou tímido e introspectivo – e a mudança para a capital mineira – que nem sequer é mencionada, você está lendo sobre eles em São Paulo e de repente já está em Belo Horizonte, ou “Belô”, como é carinhosamente chamada. Lá, acompanhamos o envolvimento cada vez maior com o universo do metal - com o apoio da mãe, que havia desistido de tentar disciplina-los para ir à escola regularmente. Mãe que é, também, uma grande influência para Max, principalmente no campo espiritual. Dela, ele herdou o interesse e admiração pelos cultos africanos do candombé e da umbanda. Especialmente saborosos são, também, os depoimentos de diversos personagens citados na história, estrategicamente incluídos na narrativa: David Vincent (do Morbid Angel), David Ellefson (do Megadeth), Mille Petrozza (Kreator), Corey Taylor (Slipknot), Dino Cazares, Sean Lennon, Sharon Osbourne, Jairo Guedes, Marc Rizzo (guitarrista do SOULFLY e amigo de longa data), Michael Whelan (o artista que criou as capas de 'Beneath the Remains', 'Arise', 'Chaos A.D.' e 'Roots'), Monte Conner (da Roadrunner Records), e João Eduardo (Cogumelo records), dentre outros.

Os primórdios do Sepultura são contados em detalhes mas naquela mesma linguagem de eterno moleque “metaleiro” interessado porém ligeiramente desinformado – ok, não dá pra exigir erudição de quem passava os dias inteiros bebendo, “zoando” e ouvindo Celtic Frost, Venom e Slayer no volume máximo. Mas engana-se quem tomar isso como burrice: Max é daqueles que demonstram ter uma inteligência intuitiva extremamente aguçada, o que se reflete na excelente produção musical que segue acumulando em sua carreira. É dono, também, de uma integridade inabalável: os desafetos de antes continuam os mesmos e ele não tem papas na língua ao dizer o que acha deles. Wagner Lamounier, da formação original do Sepultura e posteriormente fundador também do Sarcófago, outra banda seminal do metal mineiro, é descrito como desonesto e acusado literalmente de roubo – segundo Max, num determinado momento o pouco material que eles tinham começou a sumir, até que Wagner também sumiu. Max foi até sua casa perguntar o que estava acontecendo e os cabos roubados estavam lá! O "cleptomaníaco" tentou se justificar mas não teve perdão, foi expulso da banda. SHOW NO MERCY! Paulo, o baixista, é outro que é desancado impiedosamente ao longo da narrativa, descrito como “um babaca” preguiçoso que tinha medo de tudo e não conseguia aprender a tocar. Ao mesmo tempo ele é só elogios e compreensão com relação ao irmão, à esposa e a amigos de longa data como Jairo, o guitarrista que substituiu Wagner e precedeu Andreas. Andreas parece ser, por sua vez, uma das únicas exceções nesses extremos de amor e ódio: ao mesmo tempo em que ele credita ao seu veto a impossibilidade de uma volta da formação clássica do Sepultura, reconhece seu enorme talento e o companheirismo em alguns momentos difíceis, como na ocasião em que ele cantou e tocou no enterro de seu enteado Dana.

Para além dos detalhes importantes – e curiosos – de sua vida pessoal, Max nos brinda, também, com relatos saborosos sobre os processos de composição e gravação de todos os discos dos quais participou – e foram muitos! Está despertando em mim, inclusive, o desejo de dar uma nova chance ao Soulfly, banda que eu desisti de acompanhar por achar um tanto quanto “porralouca” – sempre achei que tinha muito ritmo tribal e palavras “exóticas” e sem sentido em português apenas para deslumbrar os gringos – e derivativa demais – tudo que eu ouço do Soufly me lembra algo que já havia sido feito antes, principalmente em “Roots”, do Sepultura. A sinceridade e a intensidade de Max está aos poucos me fazendo rever esta avaliação. Me fazendo enxergar a verdade que existe por trás de todo aquele exagero, que ele mesmo reconhece: num determinado momento diz que deveria estar sob o efeito de alguma droga pesada quando resolveu enterrar as masters do primeiro disco do Soulfly antes de entrega-las à gravadora. Por sorte, o material não se perdeu e a atitude pra lá de inusitada só resultou numa exclamação de interrogação assustada de Andy Wallace, responsável pela mixagem, ao receber as fitas empoeiradas ...

por Adelvan




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